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Subsídios de Trump desafiam gestão dos alimentos nos EUA

02 de Outubro de 2018

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Uma montanha de peras, batatas, carne suína e outros excedentes alimentares do governo dos EUA deverá pressionar a capacidade das instituições de combate à fome no país, numa consequência improvável das guerras comerciais do presidente Donald Trump.

A partir desta semana, Washington pretende comprar US$ 1,2 bilhão em gêneros alimentícios ao longo do próximo ano, para dar sustentação aos preços para os produtores rurais que estão sofrendo com as novas tarifas impostas às suas culturas pela China e por outros parceiros comerciais dos EUA. A produção será doada para bancos de alimentos e outras organizações beneficentes.

A Casa Branca planejou o programa de compra e distribuição de alimentos como parte das medidas para reforçar sua capacidade de negociar acordos comerciais melhores. Mas os beneficiários estão tendo dificuldades para encontrar caminhões, motoristas e trabalhadores de armazéns para transportar os alimentos antes que eles estraguem. As compras elevarão em mais de 50% os montantes que o Departamento da Agricultura dos EUA (USDA) obtém para doações. Em 2017, seu Serviço de Marketing Agrícola pagou US$ 2,2 bilhões por 1,1 bilhão de quilos de alimentos.

"É bom quando conseguimos obter mais recursos. E vamos fazer o melhor que pudermos. Mas isso vai criar alguns desafios", afirmou Brian Greene, o presidente do Houston Food Bank, que atende 800 mil pessoas por ano no Texas.

A Feeding America, uma rede de 200 bancos de alimentos, estima que distribuir todo o excedente alimentar custará entre US$ 300 milhões e US$ 400 milhões e solicitou mais recursos ao USDA e ao Congresso. "É empolgante e assustador ao mesmo tempo", afirma Kate Leone, uma lobista da Feeding America.

A agricultura vem sendo afetada pela intensificação das tensões comerciais, na medida em que outros países respondem às tarifas impostas pelos EUA sobre a importação de aço e alumínio, e a importações de alimentos pela China avaliadas em US$ 250 bilhões. As vendas de soja dos EUA para a China definharam desde que Pequim elevou tarifas sobre o produto. Para reforçar seus laços com Washington, Taiwan pretende aumentar seu consumo.

A carne suína produzida nos EUA agora enfrenta tarifas de mais de 60% na China e 20% no México. O USDA estima que as empresas agrícolas americanas ganharão, em média, US$ 66,7 mil neste ano, 19,9% menos que em 2017.

No geral, o governo Trump pretende disponibilizar US$ 12 bilhões para ajudar a apaziguar os produtores rurais, incluindo aí o programa de compra de alimentos. Quase metade das compras envolverá carne suína: US$ 558,8 milhões em costeletas, lombo, carne moída, pulled pork [carne para churrasco], carne enlatada, carne para o preparo de taco e presunto.

"É dez vezes maior que a compra anterior do governo", diz Phil Borgic, que cria 100 mil porcos no Estado de Illinois. "Isso ajudará produtores de todos os tamanhos. Tirar esses produtos do mercado e enviá-los a bancos de alimentos será bom para nós". Borgic vende seus porcos para abatedouros locais controlados pela brasileira JBS e pela Smithfield Foods, uma unidade do WH Group da China. As duas companhias venderam carne suína para o Serviço de Marketing Agrícola nos últimos anos, segundo registros.

Executivos de bancos de alimentos afirmam estar agradecidos com a generosidade. Dependentes das doações públicas e de empresas privadas de alimentos, eles não se encontram em posição de recusar fornecimento extra. "Isso é uma dádiva para as pessoas que ajudamos", diz Natalie Jayroe, executiva-chefe do Second Harvest Food Bank de Nova Orleans.

Cerca de 40 milhões americanos vivem em lares sem alimentação garantida. Muitos dependem de alimentação de emergência entregue por instituições de caridade em geral pequenas e baseadas em igrejas e centros sociais, e armazenada pelos bancos de alimentos. Mas armazenar e transportar essas compras será um desafio, afirmam líderes de bancos de alimentos. O leite poderá ser a maior dificuldade, por causa de seu prazo de validade curto. O governo anunciou compras de até US$ 84,9 milhões em queijos e leite fresco. As tarifas sobre laticínios na China e México custarão aos produtores US$ 4,5 bilhões até o fim de 2019, de acordo com um estudo encomendado pelo US Dairy Export Council.

Os bancos de alimentos costumam receber pouco leite fresco, e ele sempre chega pouco antes do fim do prazo de validade. Mas nas últimas semanas, o governo começou a enviar uma caravana de caminhões de transporte de leite, em um novo e separado programa de compras. Para executivos, é uma amostra da movimentação que o programa causará.

Greene afirma esperar em outubro até oito caminhões por semana, em comparação aos normais um ou dois semanais. Ele vem encorajando as despensas de alimentos a permitir que famílias retirem produtos com maior frequência.

Sonny Perdue, secretário da Agricultura dos EUA, diz acreditar que haverá demanda suficiente para o excedente. "Seria uma tristeza na América e no mundo se afirmássemos que não precisamos de mais alimentos", disse ele na semana passada em uma entrevista.

Segundo ele, as expedições foram projetadas para alcançar os destinatários num ritmo calculado. "Os alimentos não serão despejados todos ao mesmo tempo". Seu departamento não tomou nenhuma decisão sobre mais recursos para os bancos de alimentos, mas Perdue disse: "Trabalharemos na questão dos custos adicionais que eles poderão ter na distribuição".

Borgic também faz parte do conselho do Central Illinois Foodbank, com sede em Springfield. Ele e outros criadores de suínos trabalharam nos últimos anos para fornecer mais proteína aos bancos de alimentos, incluindo carne suína.

Valor Econômico – 02/10/18

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