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Sem consenso entre Fazenda e Mdic, Rota 2030 trava e Temer deve intervir

10 de Janeiro de 2018

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O Ministério da Fazenda e o da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic) ainda têm divergências relevantes em relação ao texto final do Rota 2030 que "travam" o novo pacote voltado ao setor automotivo. Todas têm potencial de impacto fiscal. Com a proximidade do prazo fixado pelo Palácio do Planalto para o anúncio do programa, no fim de fevereiro, tudo indica que o presidente Michel Temer terá que decidir os princípios básicos do programa.

"O governo precisa decidir que indústria automobilística quer para o Brasil", disse ontem ao Valor o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Antonio Megale. O dirigente disse esperar que o Rota 2030 seja apresentado com um mínimo de direcionamento do que o governo vai conceder. "Se o anúncio incluir somente obrigações da indústria nem precisa haver um programa", destacou.

As conversas entre o governo e o setor privado prosseguem mesmo com a saída do ministro do Mdic, Marcos Pereira, e a entrada do substituto, Marcos Jorge. Como as discussões envolvem diversos integrantes do corpo técnico, a demissão de Pereira não mudou o tom das discussões. No governo, a percepção é de que ainda há disposição para resolver discordâncias, mas ela é cada vez menor. Por isso, não há mais aposta em um consenso. "A melhor maneira de dizer é que travou. E essa divergência tem que ser, em última instância, arbitrada pelo presidente da República", diz uma fonte.

A principal discordância são os incentivos para pesquisa e desenvolvimento. A Fazenda quer usar a já existente "Lei do Bem", que estimula a pesquisa por meio de abatimento de impostos aplicados sobre o lucro - Imposto de Renda e CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido). Para a equipe, o incentivo por meio de impostos sobre o lucro é o mais indicado para evitar a concessão de benefícios a empresas não rentáveis. A equipe do ministro Henrique Meirelles sustenta que esse ponto é inegociável.

O Mdic defende a argumentação da indústria de que, após vários anos de crise, as montadoras não têm registrado lucros no Brasil. Por isso, sugere o modelo do Inovar-Auto, programa encerrado no dia 31. Naquele programa, as empresas eram obrigadas a investir determinado percentual da receita em pesquisa. Em contrapartida recebiam créditos tributários.

Para membros da Fazenda, no entanto, o país teria perdido o "timing" no cenário global de pesquisa e desenvolvimento no setor e já não seria atrativo o suficiente, mesmo com benefícios. Para a Fazenda, reforça essa visão um relatório apresentado em novembro pelo Banco Mundial sobre o Inovar-Auto afirmando que esses investimentos acontecem em centros globais de pesquisa dessas empresas. Por isso, o órgão acredita que o potencial de investimento em pesquisa por parte de grandes grupos no país é limitado.

O Mdic contesta a ideia e cita casos de outros países emergentes - como México e Turquia. A indústria rebate a Fazenda com a argumentação de que o Brasil tem feito progressos no desenvolvimento de energias limpas. "Sem um suporte, pesquisas brasileiras, como o desenvolvimento do biodiesel estarão sob risco", destaca Megale. O dirigente diz, no entanto, que o setor aceitaria seguir a regra da "Lei do Bem" desde que houvesse alguma forma de os benefícios não estarem vinculados à lucratividade.

Para a Fazenda, o sistema de créditos tributários cria uma política de difícil monitoramento. "Mas se funcionou no Inovar-Auto por que não funcionaria agora?", questiona Megale. "Talvez a prioridade da Fazenda seja só com a questão fiscal", diz Megale.

Fazenda e Mdic concordam em estimular a eficiência energética e a segurança dos veículos usando o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), mas com uma diferença na aplicação. Na proposta do Mdic, as montadoras interessadas no Rota 2030 receberiam um abatimento de dois pontos percentuais no IPI (que variam de 7% a 25%) caso se comprometam com metas de segurança e eficiência - com avaliações periódicas.

Para a Fazenda, deve ser feita uma espécie de inversão da ordem de aplicação do benefício. Por essa ideia, seria aplicado um aumento de dois pontos percentuais do IPI para toda a indústria (passando para 9% a 27%, dependendo do veículo), enquanto os inscritos no Rota 2030 teriam um abatimento de dois pontos percentuais, também com avaliações periódicas de cumprimento. Após quatro anos, o governo checaria se as metas foram cumpridas pelas empresas. Dessa forma, na visão da Fazenda, seria removido o impacto fiscal da diminuição do imposto.

O presidente da Anfavea rebate a ideia: "Isso não é um benefício; é um malefício". Ele diz que nesse caso, "não é pouco o sacrifício que as empresas fazem". Para o dirigente, não faz sentido o esforço simplesmente para manter a alíquota do tributo.

As discordâncias entre as pastas têm um viés ideológico, na visão de fontes que acompanham as discussões. Enquanto a equipe de Meirelles é essencialmente liberal e tende a evitar ações do Estado para incentivar a indústria - principalmente as que têm impacto fiscal -, o Mdic tem uma posição mais desenvolvimentista e acredita haver espaço para estimular o setor. Ambas as pastas mostram preocupação em não violar as normas da Organização Mundial do Comércio (OMC). Por isso, até representantes do Itamaraty participam das discussões.

Enquanto as negociações sobre o Rota 2030 não chegam a uma conclusão, o governo estuda publicar medida provisória ou decreto com incentivos para carros híbridos e elétricos nos próximos dias. O Valor teve acesso à minuta inicial do texto a ser publicado pelo governo, que prevê a redução da alíquota de IPI desses veículos, de 25% para 7%. O objetivo é mostrar à opinião pública uma "prévia" do pacote automotivo.

Fonte: Valor Econômico - 10/01/2018

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