08 de Julho de 2021
Artigos
A revisão do marco regulatório da revenda de combustíveis, em discussão na Agência Nacional de Petróleo (ANP), foi mal-recebida pelas líderes do mercado de distribuição (BR, Ipiranga e Raízen) e sindicatos ligados aos postos, que veem na proposta um risco de aumento da insegurança jurídica e de irregularidades.
Distribuidoras menores se dividem sobre o assunto, mas empresas como a GranPetro defendem novas regras para acabar com o que chamam de reserva de mercado das líderes do setor.
O órgão regulador promoveu, hoje, audiência pública sobre a minuta de resolução com mudanças no atual marco. Dentre os principais pontos da proposta, estão a regulação do serviço de delivery de combustíveis e a flexibilização da tutela regulatória de fidelidade à bandeira – regra pela qual um posto “bandeirado” só pode adquirir e vender combustível fornecido pelo distribuidor com o qual possui acordo para exibição da marca.
A ANP propõe um modelo híbrido que permite a instalação, nos postos, de até duas bombas não-exclusivas pelas quais o revendedor que exibe uma marca específica poderá comercializar também produtos fornecidos por outras distribuidoras – desde que identificada, para o consumidor, a existência da diferença nos produtos.
A superintendente-adjunta de distribuição e logística da ANP, Patrícia Baran, defendeu a proposta, ao alegar que o fim da exclusividade é mandatório e que ela pode ser mantida nas relações contratuais entre a distribuidora e o posto. “Não é necessária a ingerência da agência, uma vez que a liberdade é a regra”, disse. “A ANP pode impor a exclusividade? Ou ela pode ser posta entre as partes, buscada e consolidada entre as partes por ser um contrato privado?”, questionou.
A flexibilização foi recebida sob fortes críticas do Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP). A diretora de dowstream da entidade, Valéria Lima, disse ao Valor que atualizações regulatórias são naturais e bem-vindas, de tempos em tempos, mas que a discussão levantada pela ANP é “extemporânea”. Segundo ela, a agência inverte as prioridades, num momento em que o setor passa por mudanças estruturais, como a abertura do refino.
“Esse movimento está requerendo grandes alterações regulatórias. Por que não ter uma visão sistêmica da cadeia, começando pelo refino?”, disse Valéria. “Hoje, 47% do mercado já é bandeira branca [postos que não têm contratos de exclusividade de marca com um determinado distribuidor]. Já há no Brasil a convivência de dois modelos de negócios funcionando de maneira harmônica”, completou.
Proteção ao consumidor ou reserva de mercado
Órgão ligados à defesa do consumidor, como o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, vinculado à Secretaria Nacional do Consumidor, e os Procons, manifestaram preocupação com a proposta da ANP.
Para o presidente da Associação Brasileira de Procons, Felipe Vieira, o conceito de bombas não-exclusivas pode criar confusão para o consumidor que eventualmente pare num posto de determinada marca e acabe abastecendo um produto de outro fornecedor.
“O Código de Defesa do Consumidor tem como princípio o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor. Ele é reconhecidamente por lei a parte vulnerável e tem como direito básico a informação clara e precisa sobre o produto consumido”, afirmou Vieira, durante a audiência.
O gerente de relações institucionais da Raízen, Luciano Libório, reforçou as críticas, sob o argumento de que os contratos de exclusividade são importantes para trazer previsibilidade. “Como distribuidora, quero a garantia de volume [de demanda] para fazer investimento em infraestrutura e capilaridade no abastecimento.”
Entre as distribuidoras menores, não há um consenso sobre a proposta. A Gran Petro, por exemplo, saiu em defesa da flexibilização. Segundo o advogado Mauricio Ferraresi, representante da companhia na audiência, destacou que o modelo atual garante uma reserva de mercado às líderes do setor, por permitir que as distribuidoras vendam para a sua própria rede e também para toda a rede bandeira branca, mas não que os postos embandeirados vendam produtos de outros fornecedores.
“O consumidor está sendo enganado, quando entra no posto embandeirado e acredita que está comprando um produto diferenciado. As bases de armazenamento de produtos pelo Brasil afora são compartilhadas. As distribuidoras embandeiradas compartilham com distribuidoras de bandeira branca” disse.
A Associação Nacional dos Distribuidores de Combustíveis (Andic) defendeu que existe hoje um oligopólio no setor e que o número de distribuidoras caiu de 205, em 2014, para 137 em 2020.
A Federação Nacional das Distribuidoras de Combustíveis, Gás Natural e Bicombustíveis (Brasilcom), que representa em sua maior parte as distribuidoras regionais, assume uma posição contrária. “O problema básico do mercado está na tributação, na sonegação e no mercado irregular. Isso é o que deveria ser prioridade de todos os órgãos do governo”, afirmou o diretor institucional, Sergio Massillon.
Delivery
O debate sobre a regulação do serviço delivery de combustíveis também dividiu opiniões. O advogado da Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustíveis), Leandro Canabrava, que representa os postos, disse que a modalidade em si não é um problema, mas pode estimular irregularidades num mercado já marcado por fraudes e sonegações.
“O delivery se transforma em problema quando temos um país com um emaranhado fiscal insano”, afirmou. “Um negócio como esse, que deveria ser na franja [do serviço dos postos], ganha uma atratividade que parece estar fortemente vinculada à evasão fiscal”, concluiu.
O advogado relatou ainda que há, atualmente, serviços delivery sendo oferecidos pelo país fora do escopo do projeto-piloto autorizado pela ANP. “Agentes reguladores e de fiscalização não conseguem coibir, ainda que atividade seja ilegal. O ideal é que agenda regulatória facilite o trabalho de fiscalização, que já tem problema estrutural.”
A ANP autorizou o Posto Vânia, no Rio de Janeiro, a fazer um projeto-piloto de serviços delivery de combustíveis, utilizando-se da tecnologia GoFit, fornecida pela Refit (ex-Manguinhos). Sob críticas quanto à segurança da prestação do serviço, o proprietário do Posto Vânia, Carlos Eduardo Cota, alegou que a iniciativa foi realizada com o aval das autoridades e que o serviço representa um avanço no setor.
“O abastecimento das marinas da Barra da Tijuca [bairro da Zona Oeste do Rio] que era feito de forma bastante insegura, com bombonas fora do padrão. Agora abastecemos de maneira segura e eficiente”, disse.
Segundo ele, durante um ano, entre maio de 2020 e maio deste ano, o projetopiloto, suspenso posteriormente pela Justiça, fez 5.471 atendimentos e comercializou 123 mil litros de gasolina e 52 mil litros de etanol sem acidentes.
Fonte: Valor Econômico - 07/07
Veja também
18 de Abril de 2024
Futuro do setor bioenergético brasileiro é tema de debate da Revista CanaOnlineNotícias
18 de Abril de 2024
Brasil apoia iniciativa indiana para sediar Aliança Global de BiocombustíveisNotícias
18 de Abril de 2024
Produtores brasileiros de etanol podem ser os primeiros beneficiados da indústria de SAFNotícias