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Por clima, Brasil será colocado sob pressão internacional

30 de Julho de 2019

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Apresentado por anos por diferentes governos brasileiros como parte da solução para mudanças climáticas, os biocombustíveis podem promover degradação ambiental e fome se sua produção não for realizada de uma maneira adequada.

Esse é um dos alertas que será lançado no início de agosto pelos cientistas do Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC). A reunião, marcada para ocorrer em Genebra, já está sendo considerada como um dos capítulos mais importantes do debate entre a ciência e governos que colocam em dúvidas as mudanças climáticas.

A previsão é de que o debate será dominado por uma cobrança clara sobre governos para que coloquem limites na expansão dos biocombustíveis, nas monoculturas e que tomem ações concretas para reverter o desmatamento.

Fontes negociadoras também revelam que, entre os cientistas, há uma percepção de que existe um elevado risco de que a reunião testemunha um choque entre a visão dos especialistas e a do  governo brasileiro.

Nos bastidores, diplomatas admitem que o encontro deve colocar Brasil sobre uma pressão internacional.

Um documento obtido pelo UOL revela parte das conclusões obtidas por anos de estudos, entre cientistas de todo o mundo. Ganhador do prémio Nobel da Paz, o IPCC tem sido o responsável por revelar ao mundo a dimensão das transformações climáticas que enfrenta o planeta. De uma forma técnica e não política, os cientistas do IPCC constatam agora que, da maneira que está organizada hoje, a agricultura não é sustentável e pode aumentar a pressão sobre florestas e sobre a própria temperatura média do planeta.

Hoje, o desmatamento contribui com cerca de 10% a 15% das emissões de CO2. Desde 1961, 5,3 milhões de quilômetros quadrados foram transformados em terras aráveis, o equivalente a dois terços da Austrália. Para os cientistas, "a taxa e extensão geográfica de exploração de terras nas últimas décadas é sem precedentes na história humana".              

Para frear essa crise, os cientistas pedem que governos abandonem políticas que acentuam a degradação dos solos. Uma ação poderia, assim, evitar vulnerabilidade de "milhões de pessoas à degradação, desertificação e fome".

Para eles, o custo da inação supera o custo da ação, inclusive para a estabilidade e prosperidade econômica.

Se nada for feito para buscar um modelo mais sustentável, os preços de alimentos aumentarão, as populações estarão menos resistentes às mudanças climáticas e o impacto pode ser "irreversível" sobre a fome e sobre os ecossistemas, dos quais a humanidade depende.

Mas um trecho em específico do documento promete causar um debate acalorado entre governos. Ao se referir à produção de biocombustíveis, o temor é sobre o avanço de cultivos em diversas partes do mundo para alimentar à indústria de energia. Na avaliação dos cientistas, há um risco real de que haja um "aumento da pressão sobre terras".

Os cientistas não negam que, de forma específica e em determinadas regiões, o uso de energia a partir de produção agrícola pode fazer sentido e até ter um impacto positivo para o clima. Mas o uso de mais de 2 milhões de quilômetros quadrados no planeta para o cultivo de produtos que serão usados para energia já poderia se traduzir em perdas reais ao planeta.

Até o ano 2100, se o planeta quiser manter o aquecimento dentro da margem de 1,5 graus Celsius, a área destinada para biocombustíveis no mundo não poderia passar de 6 milhões de quilómetros quadrados.

"O uso generalizado de vários milhões de quilômetros quadrados podem afetar o desenvolvimento sustentável com o aumento de riscos, potencialmente consequências irreversíveis, para segurança alimentar, desertificação e degradação de terras", alertam. Na avaliação do grupo, a produção de biomassas em monoculturas, irrigadas e com fertilizantes pode levar à degradação dos solos.

A previsão dos especialistas é de que as terras que precisariam ser usadas para absorver o CO2 da atmosfera acabariam sendo usadas para bioenergia. Outro alerta é de que tal produção poderia deslocar o cultivo de alimentos para terras menos férteis, aprofundando assim a fome em determinadas regiões. Nesse caso, a África Sub-Saariana e regiões asiáticas seriam as mais atingidas.

A avaliação é de que, mais que biocombustíveis, a melhor forma de contribuir para frear o aumento de temperaturas é a gestão de terras e medidas concretas para frear o desmatamento.

Uol - 29/07/2019

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