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Petrobras veta tradings em refino

02 de Maio de 2018

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A Petrobras vetará propostas de empresas que tenham como principal atividade a comercialização global de petróleo e derivados de terceiros, conhecidas como tradings, no recém-lançado modelo de desinvestimentos em refino. Entre os critérios de elegibilidade para participar da concorrência pelos blocos de refinarias do Sul e Nordeste, a estatal estipulou que poderão disputar apenas companhias com receita anual superior a US$ 5 bilhões que possuem ou operem ativos em toda a cadeia de petróleo e derivados, desde que não tenham como atividade fim a comercialização dos produtos.

No prospecto de venda dos ativos, lançado na última semana, a Petrobras não explicou os motivos para a decisão. Mas o Valor apurou que a estatal quer parceiros estratégicos para o refino, que possam ampliar investimentos no Brasil e não apenas utilizar as instalações para processar óleo importado. Na prática, a ideia é atrair um parceiro com visão de longo prazo e que não esteja focado apenas na cotação diária das commodities.

Com isso, o programa de venda das refinarias deve abrir espaço para a entrada de novas empresas com estratégias de verticalização no mercado brasileiro. Segundo especialistas consultados pelo Valor, as principais candidatas à compra dos ativos da estatal são as petroleiras globais, que aumentam ano a ano suas produções no Brasil e atuam como empresas integradas de energia no exterior. Companhias de refino e fundos de investimentos também estão entre os potenciais interessados.

Para Edmar Almeida, professor do Grupo de Economia da Energia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (GEE/UFRJ), as principais interessadas nos ativos da Petrobras devem ser empresas que buscam integração vertical e que queiram vender no país o petróleo que produzem aqui. Segundo dados da ANP, cerca de 25% da produção de petróleo está hoje nas mãos de empresas que não a Petrobras. O percentual equivale justamente à fatia do parque de refino que a estatal está colocando à venda.

O economista lembra que, hoje, a única opção das petroleiras que produzem no Brasil é exportar, já que a estatal brasileira é monopolista no refino e o acesso ao mercado é difícil. Assumir o controle de refinarias no país, portanto, seria uma oportunidade de acessar um mercado consumidor. Ele destaca também que, geopoliticamente, houve uma mudança no mercado de petróleo na última década e que petroleiras tem buscado novos mercados para vender produtos.

"Existe hoje uma disputa por mercados consumidores. Depois da revolução da produção não convencional, os Estados Unidos reduziram muito sua importação. As empresas tiveram que buscar outros compradores. A China é um mercado mais fechado para se entrar no refino. Há uma disputa grande, por exemplo, entre Rússia e Arábia Saudita", disse Almeida, lembrando o Brasil é um mercado em expansão - a Petrobras estima um aumento anual da demanda por derivados de 1,8% até 2030.

Segundo ele, distribuidoras também podem se interessar pelos ativos da Petrobras. Ele lembra o caso da Shell, que possui participação na Raízen e é uma das principais produtoras de petróleo do país. "Faz sentido para uma empresa desse perfil". A multinacional, porém, tem manifestado que seu foco no Brasil é a exploração e produção em águas profundas.

O diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires, ressalva que, diante da queda dos preços do barril nos últimos anos, as petroleiras globais venderam boa parte de suas refinarias. Em entrevista ao Valor este mês, o presidente mundial da francesa Total, Patrick Pouyanné, por exemplo, descartou entrar no mercado brasileiro de refino.

Pires lembra que existem, contudo, empresas especializadas em refino e comercialização que podem ser atraídas para o mercado brasileiro, desde que superadas as barreiras regulatórias. A holandesa Vitol, especializada em refino e comercialização, é um exemplo. A empresa é um dos nomes apontados como possível compradora da distribuidora Alesat e também negocia com a Refit (antiga Manguinhos) parcerias na área de refino.

Empresas asiáticas também têm visitado o país, interessadas em investir em novas refinarias no Nordeste. A chinesa Qingdao Xinyutian Chemical, aliás, chegou a assinar um memorando de entendimento com o governo do Ceará para construção de uma refinaria no porto do Pecém. A iraniana Niordc é outra que mantém conversas com o governo cearense.

A pesquisadora da FGV Energia Fernanda Delgado, também acredita na presença das empresas com estratégia de verticalização e, eventualmente, na entrada de companhias especializadas em refino, interessadas em diversificar negócios (caso das indianas) ou ampliar a influência geopolítica no país associado à exportação de equipamentos (caso das chinesas).

Fernanda, contudo, não acredita na concretização da venda das refinarias este ano. Para ela, o debate eleitoral pode contaminar eventuais negócios e reduzir o ritmo das discussões em torno das mudanças regulatórias necessárias para atração de investimentos.

"O programa Combustível Brasil está num ritmo muito lento. Enquanto a regulação não avançar, será difícil [a venda]", disse ela.

O principal desafio para a venda será superar a desconfiança de investidores em torno do controle de preços. O consultor e ex-diretor da ANP David Zylbersztajn acredita, porém, que a entrada de novos agentes reduzirá as chances de práticas de preços subsidiados. "Quando o mercado abriu, a Petrobras deveria ter sido obrigada a vender uma participação expressiva no refino, como aconteceu no mundo todo. E não houve nada. Isso proporcionou que ela fizesse dumping de preços e quase quebrou a empresa por causa disso".

Fonte: Valor Econômico – 30/04/2018

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