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Petrobras pressiona CVM a decidir sobre política de preços

17 de Fevereiro de 2020

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Um processo relacionado à conduta de ex-membros do conselho de administração da Petrobras, na época do primeiro governo da ex-presidente Dilma Rousseff, aguarda há mais de um ano a retomada do julgamento na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O tratamento dado ao caso na autarquia incomoda a companhia, que considera a demora ruim para o mercado de capitais brasileiro: “O caso está lá [na CVM] parado há mais de ano, quando o papel do regulador é apurar e, se for o caso, punir”, diz fonte próxima da estatal.

A atual gestão da petroleira, sob o comando de Roberto Castello Branco, tem interesse que o episódio em análise pela CVM seja elucidado o mais breve possível para que, caso eventual dano à companhia seja comprovado, haja a devida responsabilização legal. Apesar da demora no julgamento, o Valor apurou que novos fatos poderão surgir, mudando os rumos do caso.

O processo teve origem em reclamações feitas por investidores que questionaram a legalidade da política de preços da Petrobras entre 2011 e 2014 e, particularmente, a regularidade da conduta dos administradores e do acionista controlador da companhia em relação à manutenção dos preços dos derivados de petróleo no mercado doméstico, abaixo dos preços praticados no mercado internacional.

A área financeira da estatal estimou, em 2015, que a empresa teria perdido US$ 40 bilhões como resultado da política de preços dos derivados. Entre 2011 e 2014, a Petrobras era importadora “líquida” de gasolina e diesel. Foi um período em que a empresa teve prejuízos no segmento de abastecimento por vender, na maior parte do tempo, derivados a preços inferiores ao que pagava ao importar.

Diretor da CVM, Henrique Machado, pediu vistas do processo, mas divergiu do relator do processo

A lógica da Petrobras era buscar paridade de longo prazo, não repassando volatilidades de curto prazo ao consumidor final. Investidores e conselheiros independentes questionaram a legalidade dessa política. A área técnica da CVM concluiu que a política de reajustes não poderia ser considerada como ilegal. No entanto, os técnicos da autarquia encontraram outras infrações. Para os técnicos, os administradores acusados teriam suscitado nos investidores expectativas que não pretendiam atender uma vez que não estariam dispostos a reajustar os preços dos combustíveis de maneira a viabilizar o cumprimento de metas financeiras aprovadas nos planos de negócios da empresa para os períodos 2013-2017 e 2014-2018. Haveria, portanto, “divergências entre os declarados objetivos da política de preços e sua implementação na prática”. Ou ainda “descasamento entre objetivos publicamente declarados e a condução da companhia de modo a inviabilizar a consecução deles”.

O processo começou a ser analisado em dezembro de 2018, mas não foi concluído porque um dos diretores da CVM, Henrique Machado, pediu vistas do processo. Face à demora no julgamento, a direção da Petrobras tem se movimentando, desde o ano passado, para tentar fazer andar o processo, mas sem sucesso. O processo analisa se houve falha no dever de lealdade dos conselheiros por terem induzido investidores a erro ao retardar decisão sobre mudanças na política de preços da companhia.

Entre os acusados estão o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega; a ex-ministra do Planejamento e ex-presidente da Caixa Econômica Federal (CEF) Miriam Belchior; e o ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) Luciano Coutinho. Também respondem ao processo os ex-conselheiros Francisco Roberto de Albuquerque, Marcio Pereira Zimmermann, Sérgio Franklin Quintella, Jorge Gerdau Johannpeter e José Maria Ferreira Rangel.

Para a acusação, eles haviam induzido os investidores em erro ao aprovar os planos de negócios da companhia para 2013-2017 e 2014-2018 e a política de preços divulgada em 29 de novembro 2013. Essa política buscava assegurar que os indicadores de endividamento e alavancagem da petroleira retornassem aos limites estabelecidos no plano 2013-2017 em até 24 meses, considerando o crescimento da produção de petróleo e a aplicação da política de preços de combustíveis.

O julgamento começou em 13 de dezembro de 2018. O relator do caso foi Pablo Renteria, que votou pela absolvição dos acusados. Para ele, não é correta a leitura da acusação de que a política de preços teria criado junto ao investidor a expectativa de que algo mudaria na condução dos reajustes de preços de combustíveis. “Há diversas evidências a se demonstrar que os investidores receberam a divulgação de forma negativa, compreendendo que ela significava tão somente a continuidade do status quo”, afirmou em seu voto.

O diretor Henrique Machado pediu vistas do processo para fazer análise mais adequada do assunto, considerando o significativo número de julgamentos do colegiado e o volume de documentos que compõem o caso. Antecipou, porém, que divergiria do relator. “É necessário diferenciar o objetivo de não repassar a volatilidade dos preços internacionais ao consumidor doméstico da manutenção de uma relação de preços propositalmente deficitária por prazo superior a três anos, ao arrepio inclusive dos estudos técnicos da própria Petrobras para o período subsequente”, disse na manifestação.

Machado apontou que o relator se fundamentou em trechos de relatórios de análise que mais denotam o descrédito da administração da companhia do que a inadequação formal da, então, nova política de preços. “Tais relatórios registram que a discricionariedade contida nos termos da política de preços vinha sendo exercida prolongadamente para alcançar objetivos macroeconômicos, destacadamente o controle inflacionário, soando contraditório que os mesmos possam ser utilizados em benefício dos acusados.”

O Valor apurou que Castello Branco, presidente da Petrobras, esteve com o presidente da CVM, Marcelo Barbosa, no ano passado, e o assunto foi tratado na reunião. No regulador, ainda não há previsão de julgamento. Procurada, a autarquia respondeu que as sessões marcadas estão disponíveis em seu site. Porém, desde que o julgamento foi suspenso, novos desdobramentos influenciaram o ritmo do caso.

O primeiro deles foi o pedido da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom) para participar do processo como “amicus curiae” (parte interessada). O objetivo era subsidiar a autarquia com “informações sobre o segmento de combustíveis”, que a seu ver, afetam o processo e podem influenciar a decisão do colegiado da CVM na busca pela verdade dos fatos.

A diretora Flávia Perlingeiro, que assumiu no lugar de Renteria, negou o pedido devido ao estágio em que o processo se encontrava, em fase de julgamento. A associação recorreu ao colegiado, que negou o pedido por unanimidade. Entre o pedido da Abicom, feito em fevereiro de 2018, e análise final pelo colegiado, se passaram cinco meses.

Além disso, o próprio Ministério Público solicitou que fossem anexados aos autos informações sobre a ação civil pública por ato de improbidade administrativa contra ex-executivos da Petrobras, que contém por exemplo, o conteúdo de depoimento da ex-presidente da estatal Maria das Graças Foster. Entre as declarações, Graça afirmava que Mantega, que presidia o conselho, era quem determinava os preços a serem impostos pela petroleira. Procurada, a defesa de Mantega disse que não se pronunciaria, enquanto Graça Foster não retornou os contatos.

Há ainda expectativa de julgamento do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a política de preços da Petrobras até o governo Temer. Henrique Machado solicitou à Flávia, a nova relatora, que todos esses documentos fossem anexados ao processo. Eventual incorporação dessas novas informações, que não foram analisadas no voto do relator, tem potencial para mudar os rumos do processo. A tendência é que, depois da avaliação da relatora, os diretores deliberem o assunto no colegiado. A regulação da CVM prevê que em caso de produção de novas provas outro julgamento pode ser realizado.

O processo no TCU busca apurar o resultado financeiro da política de preços praticada pela Petrobras desde julho de 2002. O TCU informou que o processo está em análise na unidade técnica que emitirá instrução. “Em regra, após essa etapa, o processo irá para o ministro-relator para posterior inclusão em pauta de sessão plenária e decisão colegiada. Não há prazo determinado para que isso ocorra.”

 

Fonte: Valor Econômico -17-02

 

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