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País perde com saída do acordo de Paris, dizem especialistas

18 de Outubro de 2018

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A retirada do Brasil do acordo climático das Nações Unidas, o chamado Acordo de Paris, como o candidato Jair Bolsonaro (PSL) tem ameaçado fazer se eleito, pode ter impactos econômicos e ambientais. Também não será tão fácil, tecnicamente, sair de um acordo internacional que no Brasil já é lei.

"Uma eventual saída do Acordo de Paris é um mau sinal e um mau negócio para o Brasil", diz Andre Guimarães, facilitador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, que reúne 180 membros entre setor privado, ONGs e academia.

Estão na entidade Cargill, Fibria, Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar), Suzano, Monsanto, Carrefour, Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Sociedade Rural Brasileira e Agroicone, além de ONGs como Ipam, WWF, Imazon, Imaflora e TNC. "Perderemos um instrumento que nos ajudará a organizar o campo", continua.

Diferentemente do que afirma um dos homens próximos a Bolsonaro, o fazendeiro Luiz Antonio Nabhan Garcia, o Acordo de Paris não "passa por cima da legislação brasileira". O tratado internacional foi construído a partir de compromissos voluntários estabelecidos pelos países. Tais metas são conhecidas pela sigla NDC.

"A NDC é uma ferramenta de ordenamento do território e que se propõe a conservar florestas", segue Guimarães. "Cria regras para melhorar o ambiente de negócios, para o campo, para a relação entre o setor econômico e ambiental", diz. Ele cita possíveis prejuízos para a imagem do país, que sempre liderou negociações internacionais. "Pode ter implicações comerciais, com retaliações e dificuldades em outros fóruns da ONU."

"Muitos dos compradores de commodities estão cada vez mais preocupados com a questão do desmatamento. Se não tivermos medidas claras de combate, podemos sofrer retaliações comerciais", avisa. "Ao sairmos, passamos a mensagem de que a questão não é seriamente tratada no Brasil."

O desmatamento na Amazônia já subiu 36% no período eleitoral - de junho a setembro em relação a 2017 -, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e nota do Observatório do Clima (OC), rede de ONGs que trabalham com mudança do clima. "A tendência é o desmatamento aumentar, e muito", alerta Carlos Rittl, secretário-executivo do OC. "Devemos esperar um aumento na violência no campo", segue.

O presidente francês, Emmanuel Macron, disse durante a Assembleia Geral da ONU, em setembro, que acordos comerciais não deveriam ser assinados com países que não respeitarem o Acordo de Paris. "Isso foi dito para os EUA, mas pode servir ao Brasil também", diz Rittl.

Ele acredita que, "se houver prejuízos para outros países do Mercosul pela posição retrógrada que o Brasil pode adotar, podem existir constrangimentos regionais". O acordo comercial que o bloco tenta com a União Europeia também pode se ressentir, assim como ter impacto na relação com a China. O Brasil tem papel importante no Basic (Brasil, África do Sul, China e Índia).

"O Brasil perde se sair do Acordo de Paris", concorda Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), que reúne 60 grandes grupos empresariais que representam 43% do PIB. "Prejudica a agenda de exportação", alerta. "Nossas empresas podem ter problemas de competitividade, e o país, de imagem."

Marina lembra que o Acordo de Paris, ao sinalizar com a economia de baixo carbono, define uma nova geopolítica global. "Não à toa grandes empresas reagiram no mesmo dia que Trump anunciou a saída dos EUA do acordo e afirmaram compromissos mostrando que estariam ali", diz ela.

Pelas regras do acordo, um país signatário só pode sair três anos depois de sua entrada em vigor, ou seja, em novembro de 2019. Só então o Brasil pode enviar comunicado à ONU avisando a saída e isso levará outro ano. Ocorre que, diferentemente dos EUA, o Brasil ratificou o acordo no Congresso e a decisão foi promulgada pelo Executivo. No Brasil, sair do Acordo de Paris significa desfazer uma lei.

Por fim, se Bolsonaro ganhar a eleição e mantiver a ameaça, a desistência do Brasil (sétimo emissor de gases-estufa do mundo), depois da saída dos EUA (segundo maior emissor), pode enfraquecer a tal ponto o Acordo de Paris que o tratado perde credibilidade. "É um erro sob vários aspectos", diz Guimarães. "Mas o que se fala em campanha é uma coisa, o que se faz no governo é outra. A sociedade precisa fazer um contraponto para que a decisão seja tomada em bases mais qualificada", diz ele.

Valor Econômico - 18/10/18

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