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País ainda na ressaca da crise

10 de Setembro de 2018

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Há uma década, a economia brasileira crescia, o dólar custava R$ 1,70 e as contas públicas estavam no azul. Quando o banco Lehman Brothers quebrou, em 2008, jogando o mundo numa turbulência jamais vista, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que a crise financeira internacional não passaria de uma “marolinha” no Brasil.

Na opinião de especialistas e ex-integrantes do governo, Lula gerenciou bem a crise e tomou medidas que evitaram o contágio da economia real, seguindo um receituário padrão adotado por vários outros países. Mas o governo Dilma Rousseff, ressaltam economistas, dobrou a aposta: aumentou a dívida para dar incentivos que já não faziam efeito, maquiou contas públicas e controlou artificialmente inflação e juros. Essas medidas, a crise política e os desdobramentos da Lava-Jato fizeram o Brasil mergulhar em uma das maiores recessões da História.

Dez anos depois, o país continua a viver a ressaca da marolinha que virou tsunami. A economia, que havia resistido ao primeiro momento pós turbulência global, com crescimento recorde de 7,5% em 2010, entrou na sua maior recessão. Entre 2015 e 2016, o tombo acumulado foi de 7,2%, suficiente para fazer o país voltar ao PIB de 2010. Hoje, o país está cerca de 6% abaixo do pico de produção, alcançado no primeiro trimestre de 2014.

No atual ritmo de crescimento da economia, o PIB só deverá recuperar o patamar de 2014 daqui a três anos, segundo economistas. A conta do descontrole fiscal chegou: a dívida bruta do país terminará este ano como equivalente a 77% do Produto Interno Bruto (PIB). Em 2020, essa relação estará em 80,1%.

A bomba armada cairá no colo do próximo presidente. Já começará o mandato coma missão de pedir ao Congresso uma autorização para endividar o país para conseguir pagar as aposentadorias e o Bolsa Família. Pela lei brasileira, é proibido fazer novas dívidas para pagar despesas do dia a dia.

Política expansionista

Logo após a quebra do banco americano, começou uma maratona nos gabinetes do governo. Não existiam muitos dados, e ninguém tinha certeza do que iria acontecer coma economia brasileira. O presidente do Banco Central na época, Henrique Meirelles, montou um gabinete de crise. Os diretores dividiam a mesma sala. Almoçavam sanduíches e o sono era escasso. A rotina de trabalho passou a ser das 6h à 1h da madrugada.

Anthero Meirelles, ex-integrante da cúpula do BC, conta que as discussões para desenhar as injeções de liquidez, o socorro aos bancos médios e a atuação no mercado de câmbio eram tão intensas que chegou a passar três dias com a roupado corpo. Acordou em Brasília e acompanhou o chefe até o aeroporto para discutir medidas. Era tanto assunto a tratar que decidiu ir com ele no avião até São Paulo para terminar a conversa, o que só aconteceu 72 horas depois.

O ex-ministro Nelson Barbosa se lembra bem dos acontecimentos da época, quando era secretário-executivo do Ministério da Fazenda. Guido Mantega ocupava a cadeira principal. Ele ficou responsável por desenhar as medidas que cortaram imposto para estimulara indústria automotiva, aumentaram o crédito à habitação e permitiram aumento da dívida para dar dinheiro para o BNDES emprestar. O momento era outro: o país tinha recursos para dispor.

Segundo ele, o problema começou quando a equipe de Dilma começou a usar os mesmos incentivos para combatera desaceleração econômica em 2012. Naquele ano, a economia — que antes crescia 4% —teve uma expansão só de 1,9%. A resposta do governo foi manter o receituário e aumentar gastos. Sem sucesso, passou atentar controlar artificialmente a inflação. Foi nesse período que o governo Dilma segurou o preço dos combustíveis — o que permaneceu até o fim de 2014 — e baixou as tarifas de energia elétrica.

—O primeiro (corte de) IPI dá certo, mas o segundo não —resume Barbosa, que defende uma combinação de reformas e estímulos à economia para retomar o crescimento.

Colega de Barbosa nas reuniões para desenhar as medidas, o ex-diretor do BC Mário Mesquita diz que o acerto inicial em resposta à crise de 2008 teve um efeito negativo.

— Deu munição para aqueles que sempre quiseram ter uma política fiscal mais expansionista—disse.

—O que podia fazer senti doem 2008 e 2009 deixou de fazer sentido e tornou-se mais arriscado.

Manoel Pires, ex-secretário de Política Econômica da Fazenda, argumenta que as medidas eram tomadas em “tempo real”, sem ter certeza da dimensão do momento.

—Em 2010, agente começou a debater como tirar os incentivos, quando começar isso. Mas o governo adotou políticas expansionistas, cujos custos foram muito saltos. Foi um equívoco apostar numa expansão naquela dimensão em 2012 — admite Pires. (Colaborou Marcello Corrêa)

“O que podia fazer sentido em 2008 e 2009 deixou de fazer sentido e tornou-se mais arriscado” Mário Mesquita, ex-diretor do Banco Central.

“Foi um equívoco apostar numa expansão naquela dimensão _ em 2012” Manoel Pires, ex-secretário de Política Econômica da Fazenda.

Fonte: O Globo – 10/09/2018

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