04 de Março de 2021
Notícias
Já escrevi tantas vezes sobre a desgovernança na Petrobras (com suas exceções) e sobre sua política de preços que fico com receio de ser redundante. Esta é obviamente uma preocupação egocêntrica, dado que o leitor certamente não vai se lembrar do que eu já rascunhei por aqui. Se não tenho a pretensão de dizer aqui apenas coisas inéditas, me esforçarei para organizar as ideias de uma maneira que eu ainda não li.
Para começo de conversa, é preciso dizer que o presidente Jair Bolsonaro não tem ideia, entre outras coisas, da importância da governança para uma companhia aberta, seja ela totalmente privada ou de capital misto. No tocante à política de preços da estatal, seus atos demonstram que ele também não sabe como resolver o problema.
Vejamos. O que o presidente quer é mudar isso daí - que é o preço do diesel caro nas bombas. O problema é que a sua decisão de trocar o presidente da estatal não tem o condão de mudar isso daí.
Mesmo assim, ele opta por causar um prejuízo imediato de dezenas de bilhões de reais para os acionistas privados e estatais da companhia, incluindo a União e o BNDES, ao mesmo tempo em que o General Silva e Luna, seu indicado, não poderá lhe entregar o que ele deseja, que é que o combustível fique barato para seus apoiadores caminhoneiros.
Se é verdade que um presidente da Petrobras tem muito poder, não está entre eles o de controlar as cotações do barril de petróleo no mercado internacional e a taxa de câmbio. Quando os dois sobem em conjunto, como ocorre agora, não há como evitar o repasse de preços, sob pena de levar a empresa ao colapso (e rebaterei mais adiante o argumento de que ele poderia fazer isso no curto prazo).
Dando um passo atrás, é preciso entender que existem duas questões permeando este caso. Uma é a da governança das empresas de capital misto e outra referente aos preços dos combustíveis. Elas são interligadas, mas distintas.
Começando pela primeira, se não chega a ser surpresa para muitos, está ficando muito claro como é difícil traçar e entender os limites do artigo 238 da Lei das S.A., o único dispositivo legal que marca a diferença de gestão que deve ser empreendida nas empresas mistas, em comparação com as puramente privadas. Diz ele: “A pessoa jurídica que controla a companhia de economia mista tem os deveres e responsabilidades do acionista controlador (artigos 116 e 117), mas poderá orientar as atividades da companhia de modo a atender ao interesse público que justificou a sua criação”.
De um lado, a então diretora da CVM Luciana Dias elaborou o histórico voto contrário à possibilidade de os controladores de companhias mistas tomarem decisões flagrantemente negativas para as próprias companhias. Foram os casos de Eletrobras e Emae.
Já decisões sabidamente péssimas para a empresa mista, mas respaldadas por argumentos formais, foram protegidas em recente julgamento do colegiado da CVM sobre a conduta de conselheiros da própria Petrobras, sobre exatamente a política de preços de combustíveis da estatal, como ressaltou o ex-conselheiro Mauro Rodrigues da Cunha, em recente artigo publicado pelo Valor e Valor Investe.
Aparentemente, a proteção do currículo levou alguns dos conselheiros da Petrobras a evitar o constrangimento de aprovar a nova gestão da estatal. Mas, se esse último caso servir como regra, os conselheiros que vierem a aprovar a indicação de Silva e Luna para a presidência não sofrerão nenhum tipo de sanção. Afinal, ele tem um bom currículo e sua indicação não virá acompanhada de papel timbrado informando que sua principal missão na empresa será tentar segurar o preço do diesel.
Apesar de esse primeiro problema acima parecer complexo, ele tem solução. Basta privatizar a Petrobras ou que ela venda todas (ou quase todas) as refinarias para empresas diferentes, perdendo poder de determinar o preço dos combustíveis.
Não sei dizer se é o melhor para a empresa do ponto de vista estratégico no longo prazo. Mas é o que a administração atual estava caminhando para fazer.
Ocorre que isso não resolve o segundo problema, que é o preço dos combustíveis.
Não há competição local ou eficiência privada capaz de mudar o preço do Brent e do dólar.
Ainda neste segundo caso, parece haver um problema de diagnóstico. A queixa tem relação com a oscilação (para cima) dos preços num espaço curto de tempo ou com o patamar (elevado) dos preços?
Pedro Parente foi tirado da presidência da Petrobras pelo mesmo Temer que o nomeou sob o argumento de que os reajustes diários que tentou implementar traziam muita volatilidade para os caminhoneiros, que fechavam seus contratos de frete numa condição e a executavam em outra.
Roberto Castello Branco decidiu perseguir a paridade internacional com um intervalo de tempo maior, evitando repassar a volatilidade de curtíssimo prazo para a bomba, e também foi retirado pelo mesmo presidente que o indicou, o que mostra que o problema não é a frequência dos reajustes.
Aliás, esse modelo de paridade com defasagem temporal não difere do que foi praticado nos anos FHC e Lula. Ocorre é que essa política funciona bem quando as cotações oscilam, mas não mudam de patamar para cima indefinidamente.
No que se refere à gestão Dilma/Graça Foster, não houve essa sorte. O desejo inicial era manter essa prática. Mas o petróleo foi subindo e a diretoria adiando os aumentos, na esperança de que fosse de curto prazo. Mas a commodity saltou para cima dos US$ 100 e lá ficou por três anos (não foram três semanas ou três meses). Nem a Petrobras tem balanço suficiente para aguentar tanto tempo vendendo combustível abaixo do preço, e nem o governo orçamento bastante para acomodar sempre os interesses dos caminhoneiros.
Medidas como a prática de fazer contratos de hedge de combustíveis, como proposto em artigo recente pelo professor Carlos Heitor Campani, ou mesmo a redução dos tributos, como está fazendo Bolsonaro, podem suavizar o repasse do preço no tempo. Nessa mesma linha, os Estados poderiam fazer o mesmo com o ICMS, e todos os entes federativos com os royalties e participações especiais. Mas nada disso impede que petróleo e dólar continuem altos e subindo, mais do que compensando todo o esforço que se possa fazer. E lá virão os caminhoneiros protestar, mais uma vez.
Apenas para referência, o barril de Brent está a US$ 64. O que ocorreria se a cotação voltasse ao patamar de US$ 100, o que implicaria em um aumento de mais 50%?
Se o que incomoda é o patamar de preço, a melhor alternativa é repassar o custo mais alto para a cadeia produtiva, para o conjunto da sociedade. Com os contratos de frete transferindo o risco de preço do combustível para os contratantes dos caminhoneiros, que por sua vez tentariam repassar para seus clientes, e assim por diante. Com o poder demonstrado de parar o Brasil, eles têm condições de negociar com quem os contrata. Só falta apontar o pleito para o lado certo.
Fonte: Valor Econômico – 04/03
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