Notícias

'O Estado será engolido sem nova Previdência', diz Flávio Roscoe Nogueira

26 de Novembro de 2018

Notícias

Na presidência da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) há seis meses, Flávio Roscoe Nogueira não faz rodeios na hora de dar sua opinião sobre temas polêmicos, mesmo que as palavras provoquem alguma contrariedade. Graças a esse perfil, ele tem sido um dos críticos mais contumazes ao anúncio do novo governo de um superministério da Economia, ocupado por Paulo Guedes, colocando sob esse guarda-chuva a pasta do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (antigo MDIC).

Roscoe também não poupa críticas ao falar da sua preocupação quanto aos rumos da política de comércio exterior. Para o presidente da Fiemg, o ponto de partida para a abertura de mercado deve ser a exigência de contrapartidas. Do contrário, o país se fragiliza ao liberar indiscriminadamente as importações. Em entrevista aos Diários Associados, o representante da federação mineira também reagiu à afirmação de Paulo Guedes sobre os industriais que se beneficiam de subsídios. Segundo ele, não há subsídios, mas sim compensações dadas ao setor industrial em razão da alta carga tributária no país. E Roscoe prega que a mesma grita deveria ser feita em relação à atividade agrícola, sobre a qual incidem muito menos encargos.

O presidente da Fiemg é sócio-diretor do grupo Colortêxtil, um dos principais fornecedores de malhas do país, com mais de 30 anos de atuação. Flávio Roscoe já foi diretor da Fiemg, presidente do Conselho Fiemg Jovem e da Câmara da Indústria do Vestuário e Acessórios da entidade. Também integrou o Conselho de Indução ao Desenvolvimento do Estado de Minas Gerais (Coind) e o Conselho de Administração da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit). A Fiemg representa 139 sindicatos e 64 mil indústrias no estado.

As mudanças na estrutura dos ministérios, com a concentração de várias pastas no da economia, pode trazer que tipo de efeito para a indústria e a atividade econômica?

A minha preocupação é que uma pasta, seja qual for, dentro de um ministério do porte do Ministério da Fazenda, corre o risco de não ter o foco necessário, seja porque as atribuições da Fazenda são de grande relevância, seja porque em qualquer situação o lugar onde o recurso entra é o mais relevante. A preocupação é que a área do desenvolvimento fique relegada a segundo plano.

 

Qual seria a alternativa?

Sou favorável à diminuição do tamanho do Estado. Não é ruim que haja uma reforma administrativa, com a redução do número de ministérios, mas a nossa sugestão é que seja criado o Ministério da Produção, que pode ganhar outras pastas e atribuições. Faz até mais sentido em um governo que tem ideário pró-desenvolvimento uma pasta como essa, fortalecida, a exemplo de outros países desenvolvidos, que têm ministérios correlatos. Nesse processo de fusão, poderia ser feita a inclusão do Ministério do Trabalho e alguns outros existentes, à Indústria, comércio e serviços. Eventualmente, por que não a agricultura? Isso daria dinâmica à produção e tem um outro viés político. Quando há o Ministério do Desenvolvimento subordinado ao da Fazenda passa-se a mensagem de menor relevância. Essa preocupação foi levada ao novo governo pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e por outras entidades nacionais. O governo se mostrou sensível, deu uma sinalização, mas ainda não se sabe o que vai ser feito. Espero que haja espaço para negociação, sem nenhum tipo de vaidade. E se tomarem uma decisão e o resultado não for bom, por que não mudar o que não está adequado?

 

Como o governo deve agir para conseguir apoio no Congresso e aprovar as reformas?

Primeiro, o governo tem de conscientizar a sociedade sobre a importância das reformas, por meio de campanhas de esclarecimento e de diálogo. Vamos precisar de transformações profundas na sociedade brasileira. O Estado faliu do ponto de vista econômico-financeiro, com déficit enorme, e quanto à prestação de serviços à sociedade, entrega muito pouco. Por isso, vai ter de ser feito um novo pacto pelo desenvolvimento do Brasil, com muito diálogo e conscientização.

 

Mas isso será suficiente para convencer o Congresso?

O Congresso escuta muito as reações da sociedade, por meio das entidades civis. O governo chega com popularidade, com apoio de seus votos. Se fizer um bom diálogo com a sociedade, terá condições de aprovar as reformas. Há questões como a reforma da Previdência que qualquer um que sabe somar um mais um sabe o quanto é necessário fazer. Se não fizermos, em breve, essa reforma, os brasileiros não receberão seus benefícios no futuro.

 

Quem deve ser incluído na reforma da Previdência? Os militares devem continuar fora?

É importante dizer que uma reforma deve incluir todos. Nada impede que haja exceções, o que é do processo político, se não for possível ser abrangente no início. Então, que se dê urgência à reforma da Previdência pública, que é o maior problema e tem menor número de participantes e as maiores distorções. São pessoas com nível de esclarecimento maior e ficará mais fácil convencê-las sobre o risco de continuarmos como estamos. Elas entenderão que é melhor fazer concessões agora do que perder tudo no futuro. A reforma da Previdência é positiva para quem está aposentado, esse é o viés que o governo deve dar na sua comunicação, e que ela deve ser feita para que as pessoas continuem a receber seus benefícios. Elas não podem ser foco de oposição, vão ter de ceder alguma coisa. É melhor do que perder tudo.

 

Por ordem de importância, quais reformas devem ser tratadas pelo governo como prioritárias?

A da Previdência é a primeira, porque sem ela nada mais adianta. O Estado brasileiro vai ser engolido sem a reforma da Previdência. Todo o resto será de menor relevância. Não existe outra prioridade que não seja essa. A taxa de crescimento do déficit da Previdência inibe qualquer outro resultado positivo em qualquer outra área.

 

O Brasil parou no tempo nos últimos anos. Como recuperar o tempo perdido?

Algumas oportunidades foram perdidas, mas ainda é possível recuperar muita coisa. O mundo vem crescendo a taxas muito superiores às registradas no Brasil em função dos nossos problemas estruturais. Esses problemas inibem a competitividade e a produtividade, seja porque o Estado não tem capacidade de investimento em infraestrutura ou de dar educação adequada para a população. Um dos caminhos é acabar com a estabilidade do funcionalismo público nas três esferas. Isso é um desincentivo à produtividade, porque nivela todos os servidores por igual. Que incentivo existe para produzir mais? A estabilidade não favorece o bom servidor, mas aquele que não está comprometido com o resultado.

 

O futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, declarou que vai retirar os subsídios, “salvando a indústria brasileira, apesar dos industriais brasileiros”. O senhor concorda com a afirmação?

É claro que não concordo. Falar de subsídio para o setor industrial chega a ser piada. A indústria é responsável por quase 45% de tudo o que país arrecada. Chamar de subsídio é inadequado, porque é uma redução de carga tributária abusiva. O setor agrícola arrecada uma fração do total, mas não vejo ninguém falar dos subsídios agrícolas. Que se acabe com o subsídio, mas que também se acabe com a tributação nos níveis que vemos hoje. Quando a tributação é excessiva e abusiva, a solução é receber alguma compensação, e isso é chamado de subsídio. Não é. Basta ver os números de maneira mais adequada. Existe uma tributação excessiva sobre a indústria que, ao longo do tempo, foi compensada. Além disso, a indústria não só arrecada mais na proporção do PIB (Produto Interno Bruto, a soma da produção de bens e serviços do país), mas é o elo da cadeia que mais agrega valor e qualidade, com maiores salários, mão de obra mais bem formada, e um setor muito relevante. A indústria brasileira é uma fábrica de pagar impostos, enquanto em outros países há subsídio mesmo.

 

Qual é a sua avaliação sobre o que foi dito até agora em relação à política comercial para o Brasil?

O discurso está na direção correta. O Brasil abre parte de seu mercado e tem acesso a outros. O que preocupa é a abertura unilateral. Num mundo se fechando cada vez mais, por que o Brasil vai abrir seu mercado, ainda mais sem compensações? A abertura só vale se houver facilidade de acesso dos produtos brasileiros a mercados internacionais. Isso é defender o Brasil, com tarifas menores. Uma maneira de fazer isso é por meio de concessões mútuas. Do contrário, existe o risco grande de tirar o emprego potencial de milhões de brasileiros no futuro, mas antes de dar esse passo é preciso equalizar as condições de produção e a questão tributária.

 

Existe o risco de o Brasil sofrer retaliações?

Não acredito nisso. Trata-se de oportunismo comercial. Quando o Brasil começou a falar de abertura unilateral, a União Europeia saiu da mesa. Por que vai negociar com o Brasil alguma contrapartida se um acordo pode sair de graça? Qualquer desculpa é desculpa. Os europeus enxergam o cenário com muito mais pragmatismo. Eles viram uma oportunidade com o argumento político, que, na verdade, é retórica econômica. Se colar, colou.

Correio Braziliense – 26/11/18

Veja também