Notícias

Nem Aristóteles resolve

23 de Agosto de 2021

Artigos

Por Arnaldo Luiz Corrêa, Diretor da Archer Consulting

Extraído do Portal Archer Consulting, 20/08

O mercado futuro de açúcar em NY encerrou a sexta-feira com o contrato outubro/21 cotado a 19.49 centavos de dólar por libra-peso, uma queda 61 pontos em relação à semana anterior. O spread outubro/março encerrou negociado a 66 pontos, indicando um desconto de 8.39% ao ano entre os dois meses. Simplificando, ninguém quer açúcar para entrega física em outubro e aqueles que estão posicionados na compra/recebimento apressam-se em liquidar a posição ou rolar os futuros para o vencimento seguinte na esperança de dias melhores.

Um mercado que propagandeia uma safra reduzida de cana e o perigo de faltar açúcar, como pode explicar um spread tão fraco? Mercados com crítico problema de disponibilidade tendem a se inverter. No caso nosso, as peças não se encaixam. Mas a gente assiste a tudo sem entender nada.

Traders experientes apontam que a questão é um pouco mais complexa do que simplesmente olhar os números frios do spread. Os altos preços do frete internacional -- dizem -- distorcem o basis (o valor do açúcar no mercado físico menos o preço dele no mercado futuro) e reduzem (quando não extinguem) a margem de lucro das tradings, que tentam empurrar o recebimento de açúcar que seria entregue agora pelas usinas para 3-4 meses adiante, mesmo que pagando prêmio (ouvimos 45-50 pontos no mercado) para isso.

Também pode afetar a tomada de decisão das tradings o fato de que as chamadas de margem sofridas por elas devido ao repentino aumento nas cotações, deixou o caixa bem baixo. Pelos nossos cálculos, somando as fixações das duas safras, 21/22 e 22/23, muito embora também há fixações na 23/24, o total de margem chamada para as tradings, bancos, provedores de OTC e as próprias usinas está em torno de US$ 2.7 bilhões.

Mas, afinal, por que sobe tanto o preço do açúcar no mercado futuro? Bem, os fundos aumentaram ainda mais a posição comprada e pelo número divulgado na sexta-feira pelo CFTC (Commodity Futures Trading Commission), agência independente do governo dos Estados Unidos, que regula os mercados de futuros e opções das commodities, com base na terça passada em relação a anterior, eles adicionaram 7,600 lotes, ampliando a posição total para 256,600 lotes comprados (equivalentes a mais de 13 milhões de toneladas de açúcar).

Interessante notar que no acumulado do mês de agosto, o açúcar contrasta com as demais commodities: subiu 9% enquanto as energéticas experimentaram uma queda substancial: petróleo WTI caiu 16%, gasolina caiu 14%, o Brent caiu 13% e o etanol de milho em Chicago caiu 10%.

O mercado global está fugindo do risco: a China apresenta desaceleração (crescimento de 8.5% contra 8.7% há um mês), aumenta a preocupação da variante delta da covid-19 em vários países (hospitalização em Israel subiu ao nível de março), diminui o apetite dos bancos centrais para injetar mais dinheiro nas economias. Mas, o açúcar em NY continua em alta. Vai entender.

No Brasil, a inflação encosta nos 9%, o desemprego é de 14.6%, a economia não sai do lugar e deve ter um crescimento pífio no ano que vem. Além da pandemia, estamos no meio de uma crise fiscal e institucional que deve se arrastar por muito tempo trazendo ainda mais instabilidade política e desconfiança por parte dos investidores locais e estrangeiros. O dólar encerrou a semana a 5.3780. Ameaças de paralização dos caminhoneiros, fechando estradas, dia 7 de setembro comandadas por cantores sertanejos (veja só a que ponto chegamos) que pensam representar setores do agronegócio. Uma verdadeira e ridícula República de Bananas, que faria brilhar os olhos do diretor Sacha Baron Cohen.

Há poucas dúvidas que teremos fortes turbulências no próximo ano e o impacto delas no câmbio será sentido fortemente nas cotações do açúcar, que se desvalorizariam para se ajustar a um real mais fraco. Esse é um ponto que merece atenção por parte dos gestores de risco. Explico.

O que mais se ouve no mercado é uma análise rasa acerca daqueles que fixaram preços em reais por tonelada e agora veem os preços atuais em patamares muito mais altos. "O etanol está pagando mais", dizem uns. "Ah, se eu tivesse esperado para fixar", reclamam outros. O fato é que os preços estão onde estão por uma razão simples: todo mundo fixou e os fundos nadam de braçada colocando o mercado onde querem. Não houvesse tanta fixação assim, com toda a certeza os preços não teriam força para subir no vazio como sobem agora.

Os preços em NY subiram [agora] porque o volume de fixação é alto [lá atrás] ou o volume de fixação é alto [agora] porque os preços subiram [lá atrás]? Está aí um corolário do princípio aristotélico da contradição. A ser estudado pelos filósofos do mercado.

Pessoalmente, prefiro seguir a velha e surrada filosofia de que ninguém quebra com lucro no bolso. Muitas usinas, apesar dos altos preços em reais por tonelada, combinação da perspectiva de juros mais altos no Brasil e do real fraco no mercado à vista, estão inseguras em aumentar suas fixações para as safras 22/23 e 23/24.

No fechamento de sexta-feira, a média aritmética dos preços de NY correspondentes à safra 22/23, trazidos para valor presente mostravam R$ 2,232 por tonelada. Do começo do ano 2000 até hoje, corrigindo os valores convertidos em US$ pelo IPCA, em apenas 10% dos eventos, o preço corrigido foi maior do que esse valor. Sugestão conservadora? Fixe os preços em reais por tonelada e compre 10% em calls (opções de compra) at-the-money (opções no dinheiro).

 

 

Veja também