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“Não podemos nos enganar e dizer que não vai mais haver açúcar”, diz chefe da Nestlé Brasil"

05 de Dezembro de 2019

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As pessoas estão preocupadas em ter uma alimentação mais saudável e grandes multinacionais do setor têm reduzido níveis de açúcar e sal nos produtos, mas é uma questão complexa, porque o consumidor quer também manter as guloseimas com o mesmo gosto. A avaliação é do CEO da Nestlé Brasil, Marcelo Melchior, em entrevista na série UOL Líderes.

Ele afirma que, por causa dessa demanda, a Nestlé vem lançando produtos com taxas reduzidas de açúcar, mas o sabor não pode ficar ruim. “Não podemos nos enganar e dizer que não vai mais haver açúcar”, declara.

O brasileiro também tenta se alimentar melhor, mas nem sempre consegue isso porque, entre o discurso e a prática, há uma diferença. No entanto, é positiva a mudança de hábito, diz o executivo.

Quando teremos um doce que não engorda? O açúcar refinado tem prazo para acabar?

Primeiro que não é provado que o açúcar refinado ou o mascavo fazem mal. Tudo isso é mais percepção do que ciência. O açúcar é o açúcar e nós precisamos dele para funcionar. Não podemos nos enganar e dizer que não vai haver mais açúcar, ninguém nos obriga a comer o açúcar.

Reduzimos a quantidade de açúcar nos nossos produtos. Por exemplo, temos um Nescau já com redução de 33% de açúcar. Teremos outro com 50% menos e outro com 0% de açúcar. Mas e o Nescau principal, o que faremos?

Trabalhamos com alimentos. Cada vez que fazemos uma redução é preciso ter tecnologia para não piorar o produto do ponto de vista do sabor. Se você piorar, os nossos consumidores simplesmente não compram.

Existem muitas coisas: redução de açúcar, de sal, mas o produto precisa ser o mais simples possível em termos de número de ingredientes. Que ele não contenha ingredientes com aqueles nomes estranhos e que sejam ingredientes como os encontrados no seu armário da cozinha.

Nota do editor: A relação entre açúcar e doenças é apontada em várias pesquisas científicas. Estudos mostram que há correlação entre consumo excessivo de açúcar e diabetes, diz o médico endocrinologista Paulo Augusto Miranda, diretor da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia.

Como o senhor vê essa questão das queimadas na Amazônia, é uma preocupação para a matriz?

É uma preocupação de todos. Tivemos um nível de desinformação que era até difícil saber se estava realmente acontecendo. Acredito que temos de ter cuidado com o meio ambiente. É uma obrigação de todos nós como cidadãos, e a nossa empresa também, como parte da sociedade brasileira.

Tentamos comprar nossas matérias-primas em lugares certificados, que não foram desmatados, e tentamos controlar todos os fornecedores dos nossos fornecedores porque algumas matérias-primas são simplesmente repassadas de um par ao outro, e temos que controlar tudo.

Estamos muito focados em proteger, é uma obrigação nossa cuidar do nosso meio ambiente, em todo o planeta. Já falamos do plástico, em águas fazemos muitas coisas para proteger, consumir cada vez mesmos.

Como a Nestlé tropicaliza os produtos que vêm de fora?

A maioria dos nossos produtos está aqui. Trabalhamos com alimentos e, no Brasil, a logística é difícil. Quando trazemos [um produto de fora], se ele chega já com seis meses de vida, não adianta. Quanto mais fresco, melhor é o produto.

A maioria dos nossos produtos é local, mas tem conceitos que são de fora. Nós aplicamos esses conceitos em nossas fábricas, até porque são tecnologias tão avançadas que não vale a pena ter em vários lugares. Importamos a matéria-prima, misturamos aqui e lançamos os produtos.

Há produtos que são tipicamente brasileiros, vendidos só aqui no Brasil?

Sim, por exemplo o Nescau. Só tem no Brasil. A Farinha Láctea está em poucos países. O Neston não existe em lugar nenhum do mundo. A Nestlé se desenvolveu na América Latina há 100 anos. Naquela época, evidentemente, não havia estradas, então desenvolvemos muitos produtos para o paladar local. Com isso, em cada um dos países onde nós operamos há produtos muito típicos do país: um café com sabor diferente, e sempre tem formulações que não são necessariamente as mesmas.

Às vezes, é o mesmo produto, porém com formulações diferentes porque cresceram de outra forma. Quando entramos na área de chocolates, praticamente todos os nossos são locais, uma exceção é o Kit Kat, que tem em qualquer lugar, mas os outros praticamente todos, e os biscoitos também, são produtos locais.

Quais foram as principais mudanças no hábito de consumo dos brasileiros no mercado de alimentos e bebidas nos últimos anos?

O brasileiro está muito mais consciente da saúde, tentando procurar produtos mais saudáveis, que sejam percebidos mais saudáveis, e tentando controlar as quantidades de calorias, de açúcares. Tem gente que vai mais atrás de produtos à base de plantas, outros vão atrás de orgânicos.

Definitivamente, o cenário ficou mais complexo no sentido de que as pessoas estão falando deste tema, não apenas uma comunidade. É uma conversa que já se encontra em diversas classes sociais e em várias regiões do país. Digo que estão tentando porque muitas vezes a ação não acompanha o discurso. Mas sempre tem que começar com alguma coisa, sempre começa com um desejo que depois é feito realidade.

Por que o senhor acha que isso está acontecendo?

Hoje há muito acesso à informação, pela internet. As pessoas veem [outras pessoas] que se cuidam melhor, se sentem melhor, têm mais disposição, mais energia. Começam a associar uma coisa com a outra, mas é sempre uma evolução e é um trabalho muito pessoal.

Eu quero melhorar a minha rotina de vida com minha família, com meus filhos. Faço um dia sim, um dia não, mas vai. E o fato dessa informação hoje em dia estar muito disponível faz com que as pessoas realmente comecem a atuar e já não é mais um negócio tão de nicho, são coisas que já tem mais disponibilidade de produto, variedades, preços, tamanhos.

“O brasileiro está muito mais consciente da saúde, tentando procurar produtos mais saudáveis”, Marcelo Melchior (Nestlé Brasil)

Como a Nestlé se encaixa nesse novo mercado? Que produtos já desenvolveram?

Há duas direções muito boas e que estamos fazendo muito rapidamente. Primeiro são variedades que sejam orgânicos, à base de plantas, um leite sem lactose, coisas assim. Das nossas marcas já existentes, que existem há 100 anos no Brasil, o Leite Moça sem gordura, o Nescau com versão sem açúcar etc.

Depois, temos uma segunda via que são produtos que nós chamamos que 'nasceram puros', nasceram neste mundo. Produtos que lançamos recentemente que vão nesta direção, não necessariamente orgânicos porque às vezes não temos a logística do orgânico. Por outro lado, nós temos também as superfoods, novos ingredientes que são pouco conhecidos nos sabores, porém, as qualidades de vitaminas e nutricionais são muito bons.

Como a Nestlé está trabalhando a questão da sustentabilidade? Do uso de embalagens plásticas, do uso de água?

Temos o compromisso de que em 2025 tenhamos todos os nossos plásticos recicláveis. É um grande desafio na parte de chocolates, onde estamos revisando cada uma das nossas especificações. Cada vez que podemos, nós colocamos de papel.

No ano passado, por exemplo, lançamos um Nescau pronto para tomar com canudo de papel. O primeiro produto do Brasil com canudo de papel porque o grande problema é que o canudo plástico é jogado no lixo junto com a embalagem de tetra.

A embalagem de tetra tem uma corrente de reciclagem, e o canudo termina no rio e nos mares porque não vale a pena pegar uma coisa tão pequena. O ideal é que nós colocássemos o canudo dentro, mas a gente esquece, tirou, jogou fora. Nós lançamos o Nescau com o canudo de papel e, a partir do primeiro semestre de 2020, todos os nossos Nescau prontos para tomar vão ser com canudo de papel. Estamos fazendo investimentos em nossas fábricas para isso.

O senhor tem uma ideia de em quanto tempo, por exemplo, o plástico deve ser eliminado completamente da indústria?

Não sei. Eliminar o plástico totalmente vai ser um desafio enorme. Porém, eliminar os plásticos daninhos, que são aqueles com muitas camadas, muito difíceis de reciclar, isso é possível fazer rapidamente. Tem plásticos que são mono camadas, 100% recicláveis e é possível ter em tudo quanto é lugar. Esse é o nosso compromisso até 2025, não ter nenhum plástico que não seja reciclável dentro da rede Nestlé.

Essa é uma decisão local ou mundial?

O compromisso é mundial, mas as decisões como esta do Nescau são locais porque esse é um produto específico do Brasil e temos que trabalhar nisso. Há outras coisas que estamos fazendo, como tirar todo o plástico que envolve as nossas caixas de bombons. Para fazer isso é preciso selar todos os bombons.

Estamos trabalhando em todas as áreas. Primeiro é preciso reduzir a quantidade de plástico da nossa operação. Coisas que o consumidor não vê, como o filme que embala as caixas de produtos no pallet. Não temos mais isso. Colocamos cola para segurar uma caixa com a outra. Não precisa mais daquele plástico, parecia uma múmia.

A segunda coisa é ter certeza de que nós vamos reciclar e a terceira é ter a educação e a infraestrutura para que realmente exista uma reciclagem. Não adianta ser um produto reciclável, se ele não for reciclado. E nós aí temos que trabalhar com legislação, com concorrentes, com as cooperativas de catadores, ONGs etc.

Existe um projeto da Nestlé para fazer uma logística reversa?

Sim. Por exemplo, com a cápsulas Nespresso. Agora, os nossos produtos estão em 1 milhão de pontos de vendas no Brasil inteiro. Podemos fazer um negócio bonito ali na Faria Lima (uma das principais avenidas de São Paulo), muito visível, e fazer uma campanha de relações públicas.

O importante, porém, é realmente como nós podemos ter capilaridade e fazer funcionar [a logística reversa]. Fazer com que a embalagem utilizável – uma coisa é as pessoas terem consciência e queiram fazer outra coisa é o valor econômico. Por mais que a pessoa não tenha consciência, sabe que vai ganhar um dinheirinho e fazer um negócio. É um jogo, um trabalho longo, mas em que todos temos que trabalhar, como indústria, para que isso aconteça.

Quais são as profissões do futuro na indústria alimentícia?

Não tenho a menor ideia. Posso te dizer engenheiro de alimentos, mas acho que no mundo vão existir profissões concomitantes. Falamos de algumas que desapareceram, como condutor de charrete, mas agora tem um montão de gente dirigindo táxi e Uber.

Uma coisa eu sei, sempre vamos precisar comer e eu espero que nós nunca cheguemos ao momento em que uma pastilha tenha tudo. Porque comer tem a parte do prazer, a parte social, falar com a sua família, conversar sobre o dia a dia.

Que dicas o senhor daria para construir uma carreira de sucesso?

Cada vez menos, isso pode parecer contra intuitivo, a formação técnica vai ser importante. Isso não quer dizer que o colaborador chegue analfabeto [na empresa], nada disso. Isso quer dizer é que as coisas estão mudando. A parte técnica é quase que um aprendizado contínuo, e hoje o que nós sabemos de uma coisa, amanhã não sabemos.

Estamos aprendendo a lidar com coisas que não existiam. No trânsito, antes andávamos com um livrão procurando a rua, agora tem o Waze que te fala para virar à direita ou à esquerda. Mas o que precisamos ter sempre é atitude.

A atitude é a inteligência emocional. Quem corre atrás, quem é positivo, homem ou mulher, aquela pessoa que quer fazer a diferença fazendo coisas para ele ou para o universo. A atitude você não treina, a atitude a pessoa tem e é uma coisa muito pessoal, e com isso é possível fazer o seu caminho para sempre.

Como a Nestlé trabalha com as startups?

Quando há uma história, há um legado. Esse legado torna-se um filtro e você vê o mundo sempre com aquele filtro, e de repente vem uma startup e te questiona por que a roda do carro é redonda? E como seria de outra forma? Há muitas coisas que o olhar fresco da startup mostra e que você que está imerso não consegue ver. Por isso, estamos trabalhando com muitas startups, aprendendo um montão com eles.

Como a crise afetou os negócios da Nestlé?

Já passou. Nós estamos tendo um grande ano. A Nestlé, que trabalha com alimentos, é uma empresa multicapilar, está em todos os lares, tem 99% de penetração de lares no Brasil, então evidentemente que, quando a economia não vai bem, é afetada.

Nós tivemos que nos adaptar, trabalhamos em formatos diferenciados, em formas de chegar com os nossos produtos e preços que possam ser convenientes com o que o consumidor tem no bolso.

Não adianta cobrar 12 se ele só tem 10. Trabalhamos muito forte nisso durante muito tempo. Uma segunda coisa foi ter outras avenidas de produtos, com uma formulação mais barata.

Mas nós ainda temos 12 milhões de desempregados. Como combater o desemprego?

Como país, ainda não estamos bombando. Estamos há dois anos com 1% de crescimento. Isso é nível de norte da Europa, que são países que já têm de tudo, e nós não podemos navegar assim.

Porém, agora falando como brasileiro, nós já estamos fazendo reformas (trabalhista, das aposentadorias, provavelmente vem outras), mas acho que nenhuma dessas reformas tem efeito imediato. Têm efeito muito positivo do ponto de vista psicológico.

A economia não é uma ciência exata. Se nós todos acreditamos que o negócio vai bem, a economia vai bem porque nós vamos consumir, vamos trocar o nosso carro, vamos ir de férias porque temos confiança e ela nos leva a muitos lugares positivos.

Acredito que o caminho dessas reformas e o caminho da abertura, tendo uma economia mais competitiva, menos complicada, vai fazer a competitividade do Brasil voltar a ser mais atrativo. Nós ainda vivemos do passado, pensamos que somos grandes, mas nós somos complicados, somos fechados. Ainda temos muitas coisas para melhorar, graças a Deus, porque temos muitas coisas que dá para trabalhar.

Qual a sua opinião sobre uma possível reforma tributária?

Acredito que precisamos descomplicar o nosso país. Não vamos sair do que temos para colocar um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) generalizado, em todos os Estados. Nós precisamos ter uma forma de trabalhar que seja mais simples. Hoje em dia há umas coisas meio irracionais. O caminhão vai para um lado. O depósito fica em outro lugar porque tem benefício fiscal. Criamos artificialmente alguns circuitos que são absolutamente irracionais, mas que, se não fizer, não tem como competir, porque o outro faz.

É preciso dar uma limpada, mas não vai ser fácil. Nós temos ainda uma máquina pública bastante grande. Precisamos trabalhar e negociar muitas coisas, mas penso que temos vontade de nos movimentar. A questão é que, é clara: podemos ir daqui até o final da porta ou daqui até a cadeira, mas tudo bem, o importante é começar a se mexer.

 Fonte: UOL - 04/12.

 

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