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Não é necessário ampliar subsídio, diz ex-secretário

15 de Junho de 2020

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Apesar dos pleitos da bancada ruralista, a agricultura brasileira não precisa de mais subsídios no novo Plano Safra, que será anunciado na quarta-feira. Essa é a avaliação de Ivan Wedekin, ex-secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura e um dos maiores especialistas em crédito rural.

Em entrevista ao Valor, o consultor afirmou que o “agronegócio está relativamente preservado da crise” da covid-19. Com algumas exceções que precisam de apoio específico do governo - caso das cadeias de açúcar e etanol, hortifrúti e flores -, o câmbio mais do compensou o eventual enfraquecimento da demanda.

Ele defende a redução das taxas de juros do Plano Safra, mas ressalta que não há necessidade de mais subsídios. “A cadeia produtiva está funcionando. O agronegócio está de pé”, frisou Wedekin, citando a diferença em relação aos setores da economia que foram fortemente golpeados pela covid-19, como aviação.

É nesse cenário que o especialista vai na contramão de parlamentares que buscam ampliar os subsídios. “Do ponto de vista macro, temos uma situação muito favorável. Não precisaria de alocação expressiva de recursos públicos para a política agrícola”, afirmou Wedekin.

O ex-secretário de Política Agrícola vai além. Para ele, a agricultura nacional já depende muito pouco do Tesouro Nacional. “A ministra falou no começo do governo [Bolsonaro] que precisamos desmamar devagar. Mas a agricultura brasileira está desmamada há muito tempo. Ela custa muito pouco para o governo”, acrescentou Wedekin.

Levantamento feito por sua consultoria mostra que, no ano passado, os desembolsos do Tesouro Nacional com política agrícola (ver arte) somaram R$ 7,2 bilhões. O montante considera equalizações de juros de crédito rural, gastos com renegociações de dívidas feitas ainda no governo FHC, subsídios ao seguro rural, política de preço mínimo e fundos setoriais como o Funcafé.

O peso dos subsídios para o crédito agrícola também vem caindo - em parte, graças à Selic mais baixa. De acordo com Wedekin, o Brasil destinou, entre 2001 e 2005, R$ 74,2 bilhões - em valores deflacionados até 2018 - ao financiamento agrícola. Nesse período, as subvenções ao crédito respondiam por 11%. Entre 2016 e 2018, quando montante anual liberado saltou para uma média de R$ 176,2 bilhões, o subsídios contribuíram com só 6%.

Atualmente, as linhas de crédito para a agricultura familiar (Pronaf) absorvem grande parte dos subsídios à política agrícola. Do total de R$ 7,2 bilhões desembolsados pelo Tesouro Nacional no ano passado, 36,9% foram para o financiamento da agricultura familiar. As demais linhas de crédito, incluindo para investimentos, ficaram com 37,7%, uma fatia que tende a diminuir - o governo preservou o montante de subsídios aos pequenos produtores na safra passada e reduziu o fatia dos grandes na subvenção total.

Na avaliação de Wedekin, a trajetória de redução da importância dos subsídios à grande agricultura vai na direção correta. Para a política agrícola, acrescentou o especialista, o arcabouço legal que direciona 30% dos depósitos à vista dos bancos e toda a captação da caderneta de poupança rural para o crédito agrícola é o mais importante.

A estrutura do sistema de crédito rural, erigida a partir de 1965, foi aprimorada ao longo das décadas, por governos de diferentes matizes ideológicos. Para Wedekin, o Brasil está apenas ingressando na “geração 3.0” da política agrícola - os instrumentos criados pela MP do Agro, como a emissão de títulos em dólar, vão levar tempo para ganhar tração.

De acordo com ele, os processos são graduais. Se a primeira geração da política agrícola foi justamente a criação do sistema de crédito para o setor, com o direcionamento de recursos obrigatórios e juros controlados, a segunda veio no governo Lula, quando Wedekin atuava no Ministério da Agricultura comandado por Roberto Rodrigues. Nesse período, a lei dos títulos do agronegócio foi aprovada, o que permitiu uma forma privada complementar de financiamento, com a criação de instrumentos como as Letras de Crédito do Agronegócio (LCA), papéis emitidos pelos bancos e cujo estoque hoje soma R$ 155 bilhões, conforme dados do Banco Central.

Para os próximos anos, a expectativa de Wedekin é que o país avance com a maior destinação de recursos para subsidiar o seguro rural e na estruturação de um sistema de registro das operações de barter. Atualmente, os dados sobre o financiamento dado por tradings ou indústrias de insumos não são conhecidos. Ele também defende que o país crie um instrumento para subsidiar contratos de opção de venda de produtos agrícolas na bolsa, o que funcionaria como um estímulo ao “seguro de preço”, como ocorreu nos EUA.

 

Fonte: Valor Econômico – 15/06

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