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Fiesp diz que Brasil tem expertise e vantagem no uso dos biocombustíveis

25 de Agosto de 2017

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No dia 8 de junho, o Conselho Nacional de Política Energética aprovou o RenovaBio, programa criado para cumprir uma das metas do Brasil no Acordo do Clima: elevar dos atuais 6% para 18% a participação de biocombustíveis na matriz energética. "O Brasil tem expertise e vantagens", diz o presidente do Conselho Superior de Agronegócio da Fiesp, Jacyr Costa Filho.

O acordo traz metas para cada um dos 195 países signatários cumprir, mas os Estados Unidos saíram do grupo. "O Trump fez um favor para o planeta. A decisão dele, de sair do pacto, o tornou o inimigo coletivo do clima, instigou os que ficaram a cumprir suas metas mais rápido e de forma mais eficiente", disse o executivo.

Globo Rural: As diretrizes do RenovaBio foram aprovadas pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). O senhor acredita que até o final deste ano é possível que o programa seja oficializado e entre em vigor?

Acredito. O Brasil foi um dos primeiros países a assinar o Acordo do Clima e está empenhado em suas metas. Nosso Código Florestal, em implantação, tem um impacto muito positivo na redução das emissões de gases de efeito estufa, reflorestamento, recuperação de pastagens. Em biocombustíveis, temos expertise e vantagens que nenhum outro país tem: terra, clima, tecnologia, infraestrutura. Principalmente na cultura da cana-de-açúcar, na produção do etanol, mas o RenovaBio também envolve o cultivo de grãos para produção de biodiesel, de aproveitamento de resíduos, que podem gerar biogás. O ministro das Minas e Energia (Fernando Coelho Filho) está muito empenhado nisso. Agora, aguarda-se a publicação da resolução do CNPE pela Casa Civil para a proposta ser enviada ao Congresso, que volta do recesso em agosto. A votação deve acontecer logo e, então, teremos uma medida provisória antes do final do ano.

GR: Para cumprir a meta de produzir 54 bilhões de litros de biocombustíveis nos próximos 13 anos, será preciso investir em mais usinas e mais lavouras. De onde virá esse investimento?

Se houver demanda e segurança para investir no país, teremos investidores interessados, daqui ou de fora. Uma das indústrias que mais poderão evoluir é a de etanol de segunda geração, de bagaço de cana, pois esse subproduto já está na fábrica. Diferentemente das outras culturas, ele não precisa ser transportado do campo para a indústria, é um custo eliminado. Mas ainda podemos apostar nas indústrias de etanol de milho, que já estão se desenvolvendo em Mato Grosso, naquelas que utilizam sebo e grãos para o biodiesel e nas companhias de tecnologia. De onde virá o investimento, eu não sei, mas que virá, virá.

GR: Em dezembro, a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) declarou que o RenovaBio poderia atrair US$ 40 bilhões em investimentos. O senhor concorda?

O RenovaBio vai atrair investimentos, mas depende de quão ambicioso será o programa. Dependerá de uma série de negociações, porém, tem potencial para atrair US$ 40 bilhões até meados de 2030. Se formos pensar de uma forma bem conservadora, US$ 20 bilhões seriam o mínimo. Porque estamos falando não apenas de indústrias que vão produzir biocombustíveis, mas de investimentos em novas usinas, lavouras, indústria de máquinas agrícolas e implementos, sementes, equipamentos industriais, indústria automobilística, pesquisa e desenvolvimento, novos postos de combustíveis, distribuição. É uma cadeia gigantesca que está adormecida.

GR: Quantas fábricas e áreas agrícolas a mais precisaríamos ter para atender à meta do Acordo do Clima, de 54 bilhões de litros de biocombustíveis?

Vai depender muito do tipo de biocombustível, porque o RenovaBio não trata apenas do etanol de cana-de-açúcar, mas de todos os tipos de biocombustíveis: etanol de cana, etanol de milho, biodiesel, biogás, bioquerosene. Se formos pensar em etanol de cana, que desses produtos é o que o Brasil já está mais à frente, uma conta muito conservadora apontaria 42 novas usinas, que produzissem 125 milhões de toneladas de cana, em 1,560 milhão de hectares. Por baixo.

GR: As diretrizes do RenovaBio também citam a importância do programa como grande gerador de empregos no campo. Quantos postos de trabalho seriam criados?

Estamos perto de 15 milhões de desempregados neste país e a situação é muito preocupante, pois essas pessoas estão saindo do campo e indo para as cidades, inchando as metrópoles. Precisamos fazer renascer a esperança nessas pessoas, e o RenovaBio pode ser essa esperança, porque estamos falando em 750 mil empregos diretos e indiretos. A Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz (Esalq/USP, de Piracicaba) tem um estudo, realizado por uns dez anos, que mostra claramente que, nas cidades onde há uma usina instalada, a renda per capita aumenta em R$ 1.500 por ano e, nos municípios vizinhos, em R$ 500. Só no Estado de São Paulo, há 150 unidades industriais, mas há 450 cidades onde a cana-de-açúcar representa 30% da renda da população.

GR: Com mais biocombustíveis produzidos e consumidos nos próximos anos, o Brasil poderá deixar de importar gasolina?

Seria possível deixar de comprar 95 bilhões de litros de gasolina, o que geraria uma economia de US$ 45 bilhões na balança comercial. Não faz sentido importar tanta gasolina com o potencial que temos. Fazendo isso, estamos sujando a matriz energética brasileira, porque, além de ser um combustível fóssil, que polui mais quando é usado, a gasolina chega ao país pelos portos da Região Sudeste e ainda atravessa o Brasil inteiro para ser consumida. Dois, três mil quilômetros em um caminhão para ser distribuída aos postos, ser colocada nos carros. Trump se tornou o inimigo que os favoráveis ao Acordo do Clima precisavam. O ser humano precisa de um inimigo para unir a tropa"

GR: Ao elevar para 18% a participação dos biocombustíveis na matriz energética, qual a quantidade de gases de efeito estufa que o Brasil deixaria de emitir?

Em 2030, estaríamos deixando de emitir 571 milhões de toneladas de CO2 equivalente, o que implicaria drasticamente nos gastos com saúde pública, nas mortes e internações relacionadas a problemas gerados pela poluição.

GR: No início dos anos 1980, surgiu o Proálcool, que foi muito bem no começo, mas depois perdeu fôlego. Há o risco de isso ocorrer novamente com o RenovaBio?

O que ocorreu é que o Brasil precisava importar gasolina, mas não tinha dinheiro para manter três meses de estoques, então, incentivaram os investimentos em destilarias de álcool. Só que, naquela época, o petróleo era muito caro e, com o passar dos anos, tornou-se um produto barato. Isso fez o Proálcool morrer. Só que, agora, além da necessidade de pensar no meio ambiente, temos uma indústria fantástica que é a dos carros flex fuel, e esses automóveis caíram no gosto do consumidor brasileiro. Este, aliás, é o único no mundo que pode escolher qual combustível quer usar cada vez que para em um posto. Nos outros países, o consumidor só faz essa escolha quando compra ou troca o carro. A indústria deu esse poder para o brasileiro e ele não abrirá mão disso.

GR: O RenovaBio foi inspirado no Proálcool?

O Proálcool foi importantíssimo para o Brasil. A indústria de cana nasceu ali. O RenovaBio teve como modelo o Renewable Fuel Standard (RFS), criado em 2005, nos Estados Unidos. Eles saíram de uma produção de 5 bilhões ao ano para quase 60 bilhões de litros de etanol por ano. O RFS criou a expectativa de demanda, ao regulamentar a utilização do etanol de milho. Essa lei, que está em vigor até hoje, incentivou uma série de investimentos e a instalação das plantas industriais por lá.

GR: Há dois meses, o presidente dos Estados Unidos anunciou a saída do país do Acordo do Clima. Essa atitude pode vir a obrigar os outros países do grupo a elevar suas metas ou promover mudanças profundas no pacto?

O Trump fez um favor para o planeta saindo do Acordo do Clima, porque essa atitude dele está fazendo com que todos os outros países se unam, fortaleceu a união dos países europeus, mexeu com a China e até com a Rússia. A atitude dele foi uma afronta às grandes potências, ele se tornou o inimigo coletivo do clima, instigou os que ficaram a cumprir suas metas mais rápido e de forma mais eficiente. Os próprios americanos ficaram contrariados, sabem que não dá para voltar para a era do carvão. As companhias vanguardistas, altamente tecnológicas, sabem que seus clientes não vão aceitar comprar produtos feitos de forma agressiva. Quando o presidente Trump anunciou a saída do acordo, ele citou a cidade de Pittsburgh (símbolo da poluição, era chamada de cidade enfumaçada até meados de 1960), e até o prefeito da cidade se declarou contra Trump. Ele tornou-se o inimigo que os favoráveis ao acordo precisavam. O ser humano precisa de um inimigo para unir a tropa

(Fonte: Revista Globo Rural, edição nº 381)

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