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Exportador dos EUA critica Brasil por barreira tarifária

04 de Outubro de 2018

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Incertezas resultantes de tarifas de importação brasileiras consideradas altas em produtos industriais e pleitos de alíquota zero para produtos como trigo e o etanol estão entre as queixas recentes vindas da Casa Branca ou de empresas americanas. Os temas são apontados por analistas na tentativa de decifrar as declarações dadas na segunda-feira pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, após assinatura de novo acordo comercial com o México e o Canadá.

Sem entrar em detalhes, o republicano criticou o tratamento dado pelo Brasil às empresas americanas, sugerindo que pode o país pode ser alvo de algum tipo de iniciativa comercial dos Estados Unidos.

 Em relatório divulgado em março, o USTR (Escritório de Representação Comercial dos Estados Unidos) reportou que exportadores americanos enfrentam quadro de "significativa incerteza" no mercado brasileiro por causa das altas tarifas de importação aplicadas pelo Brasil e seus sócios do Mercosul, especialmente sobre produtos industriais.

O documento critica a imposição de "tarifas relativamente altas" sobre uma ampla gama de setores, mencionando especificamente as indústrias automotiva, de autopeças, tecnologia de informação e eletrônica, química, bens de capital, têxtil e aço. As menções ao Brasil fazem parte de relatório do USTR sobre barreiras comerciais enfrentadas por companhias americanas em todo o mundo.

A tarifa externa comum (TEC) pode chegar a 35% para produtos industriais e 55% para bens agrícolas, alíquotas máximas registradas pelo Mercosul na Organização Mundial do Comércio (OMC), mas o relatório do USTR diz que elas estavam em patamar médio de 14,1% e 10%, respectivamente, em 2016 - níveis considerados altos internacionalmente.

"Considerando as elevadas disparidades entre tarifas consolidadas e aplicadas, exportadores americanos enfrentam significativa incerteza no mercado brasileiro porque o governo frequentemente aumenta e diminui para proteger a indústria doméstica da concorrência externa e para gerenciar preços e a oferta", afirma o escritório comercial da Casa Branca.

A lista de exceções à TEC, que pode conceder tarifas diferentes às aplicadas pelos demais sócios do bloco sul-americano, é citada no documento. O mecanismo abrange cem produtos, no máximo, e vale até o fim de 2021. Já houve sucessivas promessas do Mercosul de acabar com essa lista.

"Usando as exceções, o Brasil mantém tarifas mais altas do que seus parceiros do Mercosul para determinados produtos, como telefones celulares, equipamentos de telecomunicações, computadores e impressoras, turbinas eólicas, certos [produtos] químicos e farmacêuticos", afirma o relatório.

O documento também aponta a existência de barreiras técnicas para equipamentos de telecomunicações, requisitos de qualidade para bebidas alcoólicas, falta de transparência em processos aduaneiros e até um decreto que obriga o governo federal a usar serviços digitais oferecidos pelo Serpro é citado como potencialmente danoso para o interesse de empresas americanas no Brasil.

O decreto presidencial 8.135 de 2013, que dispõe sobre a comunicação de dados no governo e a dispensa de licitação em contratações passíveis de comprometer a segurança nacional, está entre as queixas listadas em relatório do USTR. Ele obriga ministérios e autarquias a usar serviços como e-mail, compartilhamento de arquivos, teleconferências e VoIP do Serpro.

"Regulações subsequentes (portarias 141 e 54) impõem requisitos adicionais", diz o documento, que identifica barreiras aos exportadores dos Estados Unidos em todo o mundo. "Em agosto de 2016, o Ministério do Planejamento anunciou sua intenção de revogar o decreto [...], mas ainda não publicou nenhuma medida alternativa."

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) ganha diversas menções no relatório do USTR, que fala sobre obstáculos à operação de satélites e contesta os testes para a habilitação de equipamentos. Outra reclamação atrelada ao órgão regulador trata especificamente dos serviços de roaming. As operadoras precisam recolher uma taxa anual, o Fistel, por cada chip de celular comercializado no Brasil. Como teles estrangeiras não pagam a taxa, elas ficam impedidas de prestar serviços na área de internet das coisas (IoT) e aplicações M2M (máquina a máquina).

Em maio de 2016, segundo o documento do USTR, o governo brasileiro enviou ao comitê de barreiras técnicas da Organização Mundial do Comércio (OMC) regulação "excessivamente restritiva" para vinhos e bebidas alcoólicas derivadas de uvas. Há restrições à adição de aromas e corantes. "Existem ainda preocupações sobre os parâmetros para análise laboratorial que não têm correlação com a segurança e a qualidade do produto", acrescenta o escritório americano.

Welber Barral, sócio da consultoria Barral M Jorge e ex-secretário de comércio exterior, diz que a declaração de Trump não especificou se a crítica estava relacionada a questões de investimento ou de comércio. No campo do comércio bilateral, diz ele, as empresas dos Estados Unidos têm se queixado desde o ano passado de tarifas cobradas pelo Brasil na importação de trigo e etanol americanos. Outras fontes que acompanham as relações bilaterais também confirmam o nervosismo em Washington em relação a esses temas.

Barral explica que o Brasil importa o trigo majoritariamente da Argentina. Na entressafra do país vizinho, porém, o trigo é importado dos Estados Unidos e do Canadá. "Os americanos querem zerar a alíquota de importação", diz Barral. No etanol, o Brasil cobra uma tarifa de importação a partir de determinada cota do combustível. Os produtores americanos querem eliminar a cota e garantir alíquota zero independentemente dos volumes negociados. "Mas as empresas brasileiras que exportam aos Estados Unidos também querem alíquota zero para açúcar e suco de laranja."

Em junho, o presidente Michel Temer promulgou o tratado de céus abertos firmado por Brasil e Estados Unidos em 2011. O acordo ficou quase sete anos tramitando lentamente no Congresso Nacional e estava no topo das prioridades na agenda da Casa Branca com o governo brasileiro. Pelo tratado, elimina-se o limite de frequência para voos entre os dois países. Temer deixou para assinar a promulgação durante visita oficial do vice-presidente americano, Mike Pence, a Brasília.

Valor Econômico - 03/10/18

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