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Emendas desfiguram e encarecem rota 2030

18 de Julho de 2018

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 Mudanças defendidas por parlamentares no Congresso podem ampliar em muito o custo de R$ 1,5 bilhão por ano estimado pelo governo para a Medida Provisória que estabelece as regras do Programa Rota 2030, com incentivos à indústria automotiva. Editada no início do mês, a MP recebeu 81 sugestões de alteração.

 As propostas vão da prorrogação de incentivos à elevação dos créditos gerados por investimentos em pesquisa, que poderiam alcançar metade dos dispêndios da empresa, chegando até a benefício para setores em que familiares do senador Acir Gurgacz (PDT-RJ) têm negócios.

 Uma alteração que deve contar com apoio maciço do Legislativo é a proposta do ex-ministro Armando Monteiro (PTB-PE), que prorroga até 2025 o prazo de validade do Regime Automotivo do Desenvolvimento Regional, previsto para se encerrar em 31 de dezembro de 2020. Ao Valor, Monteiro relatou que pelo menos cem deputados e senadores do Nordeste estão comprometidos com a emenda. O incentivo é considerado fundamental para a manutenção e expansão das atividades do setor na região.

 "Esses investimentos só foram para o Nordeste por conta do benefício. Para produzirem aqui, precisam trazer uma grande parte de componentes e insumos de outras regiões. Há um diferencial negativo em termos de custo", alegou Monteiro. "Para ter um novo ciclo de investimento, ampliando as plantas existentes e atraindo mais produtores de autopartes e autopeças, é preciso oferecer um horizonte desses incentivos. Ninguém decide investimento com um horizonte curto como daqui até 2020."

 Para a extensão, os incentivos serão recalibrados e, aponta o senador, "serão substancialmente menores". Farão jus ao crédito presumido, em relação às vendas ocorridas entre janeiro de 2021 e dezembro de 2025, empresas que apresentem projetos que contemplem novos investimentos e pesquisa para o desenvolvimento de novos produtos.

 O crédito é limitado ao IPI devido mensalmente e multiplicado por coeficientes que vão de 1,25, até o 12º mês de fruição do benefício; 1,0, do 13º ao 48º mês de fruição do benefício; e 0,75, do 49º ao 60º mês de fruição do benefício. Tais valores vão de 2 a 1,5 na lei em vigor, o que representa, ao fim, uma queda pela metade. "Temos que considerar o momento econômico complicado que o país está vivendo, então o benefício foi feito dentro da realidade possível", diz Monteiro.

 Uma das principais demandas da indústria do setor é elevar o valor dos créditos tributários. Pela MP, esses créditos correspondem, na prática, a 10,2% dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D). A cada R$ 10 investidos, portanto, a empresa teria de retorno R$ 1,02. A maioria dos parlamentares que apresentaram emendas defende ampliar isso.

 O senador Gurgacz fez emenda que beneficia a empresa de ônibus da sua família, a Eucatur, fundada em 1964 por seu pai e que atua em 14 Estados brasileiros e na Venezuela. Ele quer mudar a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência para que os portadores de necessidades especiais tenham que informar, com pelo menos 12 horas de antecedência, que precisarão de um veículo adaptado para viagens rodoviárias interestaduais e internacionais. Pela proposta, não haverá garantia de que terão transporte adequado.

 Ao justificar a mudança, Gurgacz se insurge contra decreto presidencial de 2004 que determinou que todos os modelos e marcas de veículos de transporte coletivo rodoviário serão fabricados acessíveis, "de forma a garantir o seu uso por pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida". "O decreto estabeleceu um oneroso exagero a todos os usuários desse modal", disse. Isso, justificou, encarece os custos para todos os passageiros.

 Os produtores de etanol se articulam na MP com dois tipos de emendas: para aproveitar a redução de IPI dos veículos equipados com motor elétrico e estender o benefício aos carros flex; e para proibir a comercialização de veículos novos movidos a gasolina e diesel a partir de 2025. "O Rota 2030 é uma oportunidade de realizarmos um compromisso ambicioso em favor da geração de tecnologia nacional", justificou o deputado Thiago Peixoto (PSD-GO).

O deputado Herculano Passos (PSD-SP), presidente da frente parlamentar em defesa do setor automotivo, propôs dobrar o valor dos créditos gerados, para 20,4%. O deputado Augusto Coutinho (SD-PE) tenta quase sextuplicar os valores, para 54,4% - a cada R$ 10 investidos em P&D, portanto, a empresa teria R$ 5,44 para abater em impostos.

 Monteiro sugere ampliar o benefício para 27,2% e diz que não haverá impacto fiscal porque o governo teria inflado os números. "A premissa adotada está equivocada, pois no cálculo assumiu-se que as empresas montadoras e fabricantes de veículos automotores investirão cerca de 3,5% do seu faturamento em P&D, ocasionando a estimativa de renúncia de R$ 2,1 bilhões. Entretanto, no último ciclo de política industrial, chamado Inovar-Auto, o investimento médio foi de 2% e, historicamente, gira em torno de 1,3%", defendeu.

Já emenda do deputado André Figueiredo (CE), líder do PDT na Câmara, partido do presidenciável Ciro Gomes, preocupa o setor ao impedir a concessão desses créditos, que "são extremamente danosos às contas públicas". "Não haverá nenhum repasse dos subsídios aos preços de venda de veículos e a sociedade terá que arcar com as vantagens tributárias do programa, concedidas as grandes montadoras", disse.

 Por outro lado, um dos principais pontos de divergência entre os ministérios do Desenvolvimento e da Fazenda, o uso dos créditos para abater outros tributos além de Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), não teve emendas apresentadas.

Os parlamentares sugerem, contudo, não estabelecer prazo para utilização dos créditos, que só podem ser abatidos quando a empresa tem lucro - o que não tem ocorrido nos últimos anos devido à crise.

Pelo revezamento do Congresso, o presidente da comissão mista que analisará a proposta será um senador e o relator, um deputado.

Fonte: Valor Econômico - 18/07/2018

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