07 de Agosto de 2018
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A disputa comercial entre Estados Unidos e China pode ter efeitos negativos para o Brasil no longo prazo. "No curto prazo pode ser atraente, mas no longo prazo pode ser uma armadilha", disse o presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Luiz Carlos Corrêa Carvalho, durante o Congresso Brasileiro do Agronegócio.
Segundo Carvalho, o mundo está ainda tentando entender qual a nova forma de os EUA negociarem. "Passou a ser uma coisa mais pessoal esse estilo de negociar. De repente, ele negocia com os chineses, assim como negociou com a Europa", afirmou. "Isso foi uma surpresa. A gente vinha negociando com os alemães a produção de soja não transgênica há muito tempo".
Há duas semanas, o presidente dos EUA, Donald Trump, e o presidente da União Europeia, Jean-Claude Juncker, iniciaram negociações rumo a um ambiente comercial de "tarifa zero". Um dos compromissos assumidos é de os EUA exportarem mais soja para a Europa. Em troca, Trump comprometeu-se a adiar as tarifas propostas para automóveis e a trabalhar para resolver a disputa envolvendo as tarifas sobre alumínio e aço europeus.
O acordo já gerou efeitos. Na última semana, a UE informou que os países europeus praticamente quadruplicaram suas importações de soja americana no começo do novo ano-safra. Os dados compilados mostram uma alta nas importações, no que seria o "primeiro efeito concreto do acordo" divulgado em Washington.
Alexandre Parola, representante permanente do Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC), também disse, durante o seminário, que os efeitos podem não ser positivos. "A retórica da guerra comercial é infinita", mas quando o discurso parar, os efeitos não serão tão positivos para o Brasil, avaliou. "Há uma certa miopia em imaginar que seremos vitoriosos numa guerra. Não seremos. O mundo das regras é o melhor. Veremos daqui uns 10 meses o resultado dessa guerra".
Para Paulo Sousa, diretor de grãos e processamento da Cargill, os efeitos da guerra comercial entre EUA e China vão além dos impactos nas exportações. Um aumento das vendas de soja ao exterior resultaria em menor disponibilidade do grão no mercado interno para esmagamento e valor mais elevado de farelo de soja no mercado doméstico, observou. Como o farelo de soja e o milho são os principais insumos para a ração de aves e suínos, esse cenário "poderia resultar em problema grave para indústria de carnes", avaliou.
Além do potencial de penalizar o Brasil no longo prazo, o acirramento da guerra comercial entre EUA e China poderia levar a uma redução do crescimento mundial, segundo Nelson Ferreira, sócio da McKinsey.
"O consumo de proteína em qualquer país depende da renda per capita e o protecionismo implica aumento mundial menor, o que vai afetar o crescimento da demanda de proteína também na China", disse, durante o seminário a Abag. Nesse cenário, mesmo a demanda chinesa por soja poderia arrefecer.
Ferreira também prevê um aumento da competitividade dos EUA por causa do apoio dado pelo governo Trump aos agricultores. "Isso aplaina e tira qualquer diferença de competitividade entre os jogadores", destacou. "E o que impediria a China de elevar sua produção e ficar menos dependente do mercado externo?", indagou.
Para Ferreira, o tabuleiro mundial das negociações comerciais estará mais fechado no próximo ano, o que diminui as oportunidades para o Brasil firmar novos acordos e abrir novos mercados. "Teremos um mundo em 2019 que estará menos aberto a negociações globais do que temos agora. Vemos questões locais, na China e na Europa, dificultando alguns desses acordos", disse.
"Temos que torcer que o bom senso volte a essas potências, mas, caso o bom senso não volte, teremos efeitos muito negativos nas nossas negociações globais", afirmou Sousa, da Cargill. Para Edwini Kessie, diretor de agricultura e commodities na OMC, sem o multilateralismo nas negociações, "o mercado global será destruído".
Fonte: Valor Econômico - 07/08/2018
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