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Diretor da OMC diz que Trump quer tratamento recíproco e sugere diálogo

03 de Outubro de 2018

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O diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Roberto Azevêdo, observou ontem que a posição dos EUA tem sido de querer reciprocidade tarifária no comércio com vários parceiros e recomendou diálogo entre Brasília e Washington no caso de escalada de tensões.

Ao ser indagado sobre críticas do presidente Donald Trump por tratamento que o Brasil daria a empresas americanas, Azevêdo respondeu que "a política americana é conhecida e as pessoas sabem exatamente com o que eles estão preocupados".

"Eles falam com grande frequência sobre a reciprocidade e sobre o que chamam de 'fair trade'", acrescentou Azevêdo na conversa com jornalistas brasileiros.

"Um dos pontos comuns que está sempre na narrativa da administração americana é o de que há uma disparidade muito grande nas tarifas que são cobradas e no tratamento que é dado [por eles] para as empresas de diferentes países. Eles acham que são muito mais liberais, que dão um acesso ao mercado muito maior do que outros países dão e querem reciprocidade", declarou.

Azevêdo diz não se surpreender "que essa seja uma visão, uma abordagem da parte deles". E acha que compete aos outros parceiros comerciais "conversar com a administração americana, bilateralmente, na OMC, onde quer que seja". Para o xerife do comércio mundial, o diálogo não precisa ter um formato único. EUA e Brasil podem conversar de várias formas e, nessa conversa, tentarem se entender.

Azevêdo diz ter certeza de que os países com tarifas mais altas ou que dão tratamento diferenciado também têm seus argumentos para discutir com os EUA, "sobre por que o fazem, o que justifica essas coisas e por que o relacionamento não é assimétrico".Trump tem feito ameaças persistentes de impor "taxas de reciprocidade" sobre vários parceiros, para ter as mesmas tarifas de importação que os parceiros aplicam contra os EUA, sem levar em conta que as alíquotas existentes são resultado de barganhas feitas em demoradas negociações.

Em 2017, do total exportado pelo Brasil para os EUA, 56,4% foram de manufaturados, que têm tarifas de importação de 2%, em média, para entrar no mercado americano. Mas os Estados Unidos aplicam também alíquotas superiores a 25% para produtos agrícolas como lácteos, tabaco e vários produtos vegetais, além de calçados e têxteis. Algumas tarifas superam 100%.

Questionado se a declaração de Trump contra o Brasil era preocupante, o diretor-geral da OMC retrucou: "Não adianta a gente se preocupar com os fatos. É um fato. Essa é a posição deles. Eu sou muito pragmático com essas coisas. Os problemas vão aparecer sempre. As diferenças vão aparecer sempre. As partes têm que se ouvir, de uma forma ou de outra. Este é o caminho. A questão é encontrar solução para elas".

Na prática, a reciprocidade que o governo Trump quer arrancar de vários parceiros atinge em cheio a Cláusula da Nação mais Favorecida, o princípio da não discriminação, uma das bases da OMC.

Por essa cláusula, todas as vantagens e os privilégios acordados a um membro da OMC devem ser estendidos a todos os demais membros da organização, imediatamente e sem imposição de condições.

Reverter esse sistema para reciprocidade, se chegar a se propagar, como quer a Casa Branca, quebrará o sistema comercial, com aplicação seletiva de tarifa por países usando seu poder econômico sobre os parceiros.

No Fórum Público da OMC, que reúne ONGs, setor privado e acadêmicos, esta semana, Roberto Azevêdo alertou que, em meio à escalada de tensões comerciais entre grandes parceiros, os empresários não podem ficar de braços cruzados e precisam defender o sistema. Destacou que os governos ouvem o setor privado, mas que a voz do setor não é alta o suficiente.

Disse que silêncio é interpretado como concordância com a situação atual e que não se pode ter como garantido o sistema multilateral que assegurou estabilidade no comércio global. "Aguardo o apoio de vocês", concluiu.

Valor Econômico – 03/10/18

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