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Coronavírus deve gerar prejuízo de R$ 42 bilhões para montadoras no Brasil

23 de Abril de 2020

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Sem liquidez para suprir os prejuízos causados pelas paralisações das atividades, cadeia produtiva do setor corre o risco de entrar em colapso, apontam especialistas

As medidas de isolamento social para evitar a propagação do novo coronavírus fizeram as vendas de automóveis no país atingirem seu menor nível dos últimos 14 anos. De acordo com uma análise do atual panorama feito pela consultoria Bright, voltada para setor automotivo, o prejuízo causado pela Covid-19 na indústria automotiva deve chegar a R$ 42 bilhões no Brasil apenas em 2020.

Os emplacamentos caíram 21,8% na comparação entre março de 2019 e março de 2020. Embora algumas empresas desenvolvam canais online de vendas para manter as atividades, espera-se queda superior a 80% nas vendas em abril, seguindo o que ocorreu em países que estão há mais tempo em quarentena. 

Todas as montadoras colocaram seus funcionários em férias coletivas, e algumas destas foram estendidas até o início de junho. Começaram as negociações de lay-off com esquemas de redução parcial de jornada e remuneração, a exemplo da Volkswagen. Algumas montadoras estudam esquemas de trabalho alternado entre equipes de produção. Ao todo, cerca de 370 mil trabalhadores das linhas de produção estão em casa.

Em suma, para executivos e consultores automotivos, trata-se de uma crise sem precedentes para a indústria de automóveis. O discurso é global. Em comunicado oficial, o presidente Organização Internacional de Construtores de Automóveis (Oica), Fu Binfeng, também declarou que “esta poderá ser a pior crise que já impactou a indústria automobilística na história”. 

“Nunca vi uma queda como essa no setor automotivo, não só aqui, como no mundo todo. Estamos vivendo uma questão aguda, o faturamento desapareceu”, afirmou Rogelio Golfarb, vice-presidente da Ford na América do Sul. Para o executivo, será preciso um esforço conjunto do governo, bancos e todo o setor para que a situação seja revertida. 

Efeito dominó

Mark Essle, sócio da consultoria internacional Kearney, alerta sobre a falta de liquidez (dinheiro em caixa) das empresas do setor, o que pode levar várias delas, sobretudo as médias e pequenas, à bancarrota. “A queda imediata da receita na venda de veículos gera um efeito dominó em todo o sistema, impactando de forma imediata a capacidade de pagamentos de obrigações e funcionários”, destaca Essle.

“Juntamente com as medidas de curto prazo endereçadas à falta de liquidez e sobrevivência das empresas, é fundamental que a indústria e o governo aproveitem o momento para acordar sobre a desoneração de impostos sobre produtos hoje importados, objetivando a localização da produção, que podem não gerar arrecadação num primeiro momento, mas certamente fortalecerão o mercado de trabalho e a escala necessária à melhoria da competitividade”, analisa Paulo Cardamone, CEO da Bright Consulting. Para ele, a princípio, montadoras e os chamados "fornecedores globais" no Brasil podem ser socorridos financeiramente por suas matrizes.

“Elas têm um respaldo, e o dinheiro vai chegar para esses caras. O problema de falta de liquidez mesmo são as empresas menores, de componentes básicos. Muitas já estavam quebradas antes da pandemia. O que o governo vai ter que fazer é um trabalho como o da Covid-19. É um cenário onde vai haver mortes (de empresas), mas, com uma injeção de capital razoável, você consegue organizar melhor esse processo, porque, se faltar um parafuso e uma ruela, você não monta um carro. A montadora depende de várias dessas empresas”, comenta Cardamone.

Cenário de guerra

Enquanto isso, nos bastidores as montadoras se mexem e correm atrás para manter a saúde financeira. "Acho que essa não é a pior crise só da indústria, é uma das piores crises do mundo", diz Pablo Di Si, presidente da Volkswagen na América do Sul. 

Segundo o executivo, o cenário é de sobrevivência e não permite fazer projeções para o segundo semestre. Ele calcula que o prejuízo causado pela pandemia do novo coronavírus no Brasil deverá equivaler ao valor empregado em três anos de investimento. O ciclo atual de aportes da montadora, que começou em 2016 e deveria terminar neste ano, prevê R$ 7 bilhões para o Brasil.

"Precisamos olhar o curtíssimo prazo, o problema da liquidez do sistema. Os bancos vão precisar emprestar dinheiro", diz o presidente da Volks. Pablo afirma que há bom diálogo com o governo, em reuniões frequentes mediadas pela Anfavea. "Fico mais tranquilo ao ver que existe um claro entendimento de como a indústria funciona", afirma Di Si. (Com Folhapress)

Retomada será lenta

De acordo com Cardamone, por conta da pandemia, o mercado brasileiro deve levar ao menos três anos para retomar os níveis de vendas de 2019, quando foram comercializados 2.665.583 veículos. A previsão é que, em 2020, as vendas não passem de 2,3 milhões de unidades, subindo para 2,547 milhões em 2021 e 2,738 milhões em 2022.

Até então, as montadoras não falam ainda em demissões. E, apesar das medidas do governo que preveem redução de jornada e de salários, segundo a Bright, a queda das vendas no primeiro semestre deve acarretar cortes de ao menos 10 mil empregos nas montadoras e de 20 mil vagas nas autopeças. 

“Isso sem falar na rede de distribuição: estima-se que 30% das concessionárias não consigam se sustentar por mais de 30 dias inativos sem substancial ajuda das montadoras”, conclui Cardamone.

Exportações caíram 21,1% 

"A venda não ocorre de forma imediata no mercado, e, neste contexto, os altos estoques impactarão a retomada da produção", diz Milad Kalume, gerente de desenvolvimento da consultoria Jato. "O desemprego e confiança do consumidor impactarão diretamente a retomada das vendas. O cenário não é dos melhores". 

Milad lembra também que a produção brasileira destinada à exportação depende de mercados sul-americanos, que estão sendo igualmente impactados pela crise. As exportações, que já vinham bem, caíram 21,1% na comparação com março de 2019. No acumulado do ano, a retração é de 14,9%. Antes do impacto da crise, a Anfavea previa queda de 11%.

 

Fonte: O Tempo – 23/04

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