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Argentina quer acordo automotivo até 2023

02 de Agosto de 2018

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Dois anos depois da última revisão do acordo automotivo, a Argentina pressiona o Brasil a adiar novamente o livre comércio no setor, uma promessa que se estende desde a década passada e que os dois países haviam se comprometido a transformar em realidade a partir de julho de 2020.

O país vizinho, maior destino das exportações brasileiras de veículos, agora quer o fim do comércio administrado na indústria automotiva apenas em 2023.

As autoridades em Brasília reagiram mal à proposta, que deve ser discutida hoje em Buenos Aires, em reunião do comitê automotivo bilateral. O discurso contrário à proposta de adiamento da Casa Rosada tem dois pilares: traria instabilidade ao planejamento das montadoras e iria na contramão das perspectivas de abertura no âmbito do tratado Mercosul-União Europeia, que está na reta final de negociações.

Com o risco de voltar à recessão e após ter registrado um déficit comercial recorde no ano passado, a Argentina tenta melhorar suas contas externas. O Brasil tem papel importante nessa estratégia, já que apresentou superávit de US$ 8,1 bilhões no comércio bilateral em 2017, praticamente dobrando o saldo dos 12 meses anteriores. Veículos e autopeças representaram mais de 40% das exportações brasileiras ao mercado argentino.

Fora do mercado comum criado nos anos 1990, a indústria automotiva foi tratada pelos dois países como um setor especial e teve acordos específicos desde então, como forma de manter relativo equilíbrio no comércio bilateral. A última versão do acordo é de junho de 2016, com retroatividade de um ano e validade até meados de 2020, quando passaria a valer o livre comércio. Para esse intervalo, definiu-se um índice "flex" de 1,5.

Funciona assim: para cada US$ 100 que o Brasil compra em carros ou autopeças da Argentina, pode vender até US$ 150 sem a incidência da alíquota de 35% da tarifa externa comum (TEC) sobre veículos de fora do Mercosul.

Esse coeficiente busca preservar o equilíbrio nas trocas e vale para os dois lados. Na prática, entretanto, é o Brasil quem costuma exportar mais para a Argentina.

Em teoria, quanto maior o "flex", menor a restrição ao comércio. Pelas regras atuais, o índice aumentaria para 1,7 no último ano de vigência do acordo - de julho de 2019 até junho de 2020.

De fato, as montadoras brasileiras extrapolaram o limite estabelecido. Até o fim de junho, nos três anos acumulados de acordo, a relação entre exportações e importações na indústria automotiva está em 2,05. Ou seja: para cada US$ 100 em carros e autopeças da Argentina que entraram no mercado brasileiro, o Brasil mandou US$ 205 para o vizinho.

Segundo fontes do setor, o governo argentino tem cobrado a apresentação mensal de garantias das montadoras para o pagamento da TEC referente à ultrapassagem do índice "flex". Isso exige um provisionamento no balanço das empresas e limitações na capacidade de investir.

As autoridades brasileiras alegam que o combinado não era esse. Para elas, a tendência ao longo do tempo é de maior equilíbrio e fazer cobranças agora só causa imprevisibilidade desnecessária às multinacionais instaladas na região. Para dar força ao argumento, mostram um dado: o "flex" tem diminuído nos últimos meses, como reflexo da crise argentina, e caiu para 1,57 em junho isoladamente.

Os "hermanos" insistem em que será preciso esperar mais algum tempo para atingir o livre comércio. Pior ainda: quer que o coeficiente seja mantido em 1,5 até 2023 - o que significa restringir mais o intercâmbio. O Brasil combate a ideia do adiamento, mas sinaliza que até poderia negociar o prazo maior, mediante algumas condições: preservar o plano original de "flex" de 1,7 em 2019 e avançar para índices progressivamente maiores nos três anos seguintes.

Como pano de fundo, um fator de complicação para as conversas é o recém-lançado Rota 2030, novo regime automotivo do lado de cá da fronteira. A Argentina sustenta que perdeu uma vantagem relativa no mercado brasileiro com o fim do Inovar-Auto, regime encerrado em 31 de dezembro de 2017, que dava aos sócios do Mercosul isenção do adicional de 30 pontos percentuais de IPI aplicável aos carros importados de outros países. O programa acabou sendo condenado na Organização Mundial do Comércio (OMC).

Nos bastidores, os argentinos levantam dúvidas sobre o funcionamento do Rota 2030 e temem que todos os investimentos de multinacionais para pesquisa e desenvolvimento fiquem no Brasil, dificultando a integração produtiva.

Fonte: Valor Econômico – 02/08/2018

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