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23 de Maio de 2018

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Quando o preço do petróleo entrou em queda livre em 2014, sob o peso da produção de xisto nos Estados Unidos, isso alimentou uma nova crença de que as cotações permaneceriam baixas por um longo tempo.

A exuberante nova fonte de petróleo parecia capaz, praticamente sozinha, de atender o crescimento da demanda mundial, acabando para sempre com a necessidade de barris adicionais provenientes da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep).

Surgiu, então, o conceito da "faixa de preços do petróleo de xisto", entre US$ 40 e US$ 55 por barril, o intervalo de valores que permitia à maioria dos produtores de petróleo de xisto dos EUA lucrar sem criar o risco de inundar o mercado. Durante a maior parte dos três anos seguintes, entre 2015 e 2017, as cotações do petróleo, de fato, variaram dentro desses limites.

Em 2018, no entanto, esse roteiro passou a ser lentamente deixado para trás. Agora, está em processo de desintegração.

A alta dos preços do Brent para US$ 80 por barril pela primeira vez desde 2014 tirou o fôlego do mercado e atraiu quase todos os olhares, mas desviou as atenções de outro importante marco psicológico para o mercado de petróleo. Atualmente, a curva futura das cotações do Brent está sendo negociada acima de US$ 60, chegando até aos contratos para entrega em dezembro de 2024.

Na prática, o mercado está dizendo que a "longa era de preços baixos" morreu.

A realidade é que o petróleo de xisto dos EUA foi incapaz de atender o crescimento da demanda mundial, que desde 2014 vem sendo na média de 1,7 milhão de barris diários por ano, o dobro do ritmo verificado no início da década. Em consequência, os estoques foram diminuindo, o que enfraqueceu o escudo de proteção que havia sido erguido.

O declínio dos estoques foi influenciado em parte pelo forte aumento na demanda e pelo acordo entre produtores da Opep e de fora do grupo, que passou a restringir oferta a partir de janeiro de 2017. Desde então, o impacto desse acordo foi amplificado pelas reduções na produção da Venezuela e Angola e, mais recentemente, na oferta de fora dos EUA e da Opep.

O inevitável déficit de oferta é muito preocupante, já que a capacidade de produção adicional no mundo é bem limitada.

Embora sempre tenhamos visto o petróleo de xisto como apenas uma parte da matriz de oferta necessária para atender o crescimento futuro da demanda, a indústria petrolífera só agora acorda para essa realidade.

Dois tópicos principais começam a influenciar a forma de pensar dos investidores e a impulsionar o recém-adquirido interesse em exposição ao setor de petróleo.

Os preços futuros precisam subir para voltar a incentivar os investimentos (ou restringir a demanda)

Primeiro, os dados mais recentes sobre a oferta, enfim, começam a refletir os efeitos nocivos da falta de investimentos que se seguiu à imensa redução nos gastos em bens de capital em vigor desde 2015. Os dados agora mostram taxas de aceleração dos declínios em importantes fontes de produção, como Brasil, Noruega e Angola.

Segundo, a força impressionante da demanda vinha sendo ofuscada nos últimos dois anos pelo brilho das histórias sobre os veículos elétricos.

Lentamente, no entanto, essa narrativa começou a dar lugar ao reconhecimento de que embora no longo prazo os carros elétricos se encaminhem indubitavelmente a alterar a trajetória da demanda mundial por petróleo, no médio prazo (nos próximos cinco anos) essa tendência não vai chegar a um ponto crítico, o momento em que vai ser capaz de compensar a queda prevista na oferta devido à falta de investimentos.

O lançamento pouco animador do Model 3, da Tesla, foi um catalisador importante dessa mudança de opiniões. Embora a montadora não seja a única fabricante de veículos elétricos, suas dificuldades abalaram a fé cega dos investidores na capacidade do novo segmento de estar à altura das expectativas.

Portanto, embora ainda se projete desaceleração no crescimento da demanda por petróleo em relação aos níveis atuais, o consumo ainda vai ser alto o suficiente para que o mercado precise de ofertas adicionais para atendê-lo - na ausência de alguma grande recessão.

Além disso, o mercado físico de petróleo vai enfrentar ainda mais pressões no futuro, com a mudança em 2020 das especificações sobre o combustível de navegação, que deverá impulsionar em mais 2 milhões a 3 milhões de barris por dia a demanda por produtos como o diesel e o combustível com teor ultrabaixo de enxofre.

Como resultado, acreditamos que os preços do petróleo podem chegar a mais de US$ 100 por barril, uma previsão de preço que estamos mantendo já há três anos para a segunda metade de 2019.

A "faixa de preços do petróleo xisto" foi quebrada de forma terminante e 2018 vai ser um ano divisor de águas: o mercado vai perceber que o petróleo de xisto sozinho não tem condições de atender o crescimento na demanda e que os preços futuros precisam subir para voltar a incentivar os investimentos (ou restringir a demanda).

Os preços dos contratos para entrega futura vêm subindo em busca de um novo ponto de equilíbrio, no qual se acredite que os investimentos em novas fontes vão ser retomados. Quando o ponto for encontrado, a curva futura do Brent vai jogar a âncora em torno a esse preço.

Quando os preços dos contratos futuros tiverem se estabilizado nesse novo patamar, os contratos de curto prazo vão passar a subir neste terceiro trimestre de acordo com a demanda sazonal. Diante dos crescentes riscos geopolíticos e de problemas na oferta no Irã e Venezuela, há risco de que os preços do petróleo avancem para a marca dos US$ 100, e talvez além, até antes do segundo semestre de 2019, como vínhamos projetando.

Nunca um ativo segue uma linha reta, no entanto, o mercado de petróleo como um todo talvez não esteja preparado para o que vai acontecer com as cotações nos próximos dois anos.

(Fonte: Valor Econômico - 23/05/2018)

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