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A corrida para substituir o cobalto nos carros elétricos

24 de Agosto de 2018

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Em um parque industrial há uma hora de carro de Boston, o professor Michael Zimmerman, da Tufts University, trabalha em seu laboratório na esperança de que um material inventado por ele no porão de sua casa possa ajudar a resolver a crise que paira sobre a indústria de veículos elétricos - que inadvertidamente atrelou sua sorte a um dos países mais pobres e menos estáveis do mundo.

Entre uma aula e outra, Zimmerman comanda a empresa iniciante Ionic Materials, cujas baterias poderiam ser um marco para uma indústria automotiva que agora corre para aderir aos carros elétricos depois de um século produzindo motores a gasolina. Sua esperança é que o protótipo feito em casa possa abrir caminho para uma nova geração de baterias que dispense o uso de cobalto, um metal cinza prateado que tem 60% da produção originada na República Democrática do Congo.          

Financiada pelo altamente respeitado investidor e cientista da computação Bill Joy, que passou anos buscando pela bateria perfeita, a Ionic Materials conta com acionistas como a aliança de montadoras Renault Nissan Mitsubishi, a Hyundai e a petrolífera Total.

"O mundo quer tornar elétricos seus veículos", diz Zimmerman em seu escritório, do outro lado do estacionamento de um centro comercial. "Nunca vi uma indústria tão grande dizer [que quer] trocar completamente de tecnologia."

A lista de financiadores da Ionic Materials reflete as preocupações cada vez maiores entre as montadoras com a atual tecnologia de baterias e o fato de dependerem do Congo. O fornecimento de Cobalto é dominado por um punhado de empresas, entre as quais a mineradora suíça Glencore, ou escavado por meio de trabalho braçal e vendido a comercializadoras chinesas no país. A mão de obra infantil é prática comum, segundo grupos de direitos humanos.

Em outras palavras, o produto que é o raio de esperança da nova economia depende altamente, por enquanto, de algumas das práticas mais criticadas da velha economia industrial.

Para muitos especialistas, a bateria vai reinar suprema neste século - da mesma forma que o petróleo reinou no anterior. Baterias alimentam as vidas digitais cotidianas das pessoas, desde os iPhones até os computadores portáteis. Também são fundamentais para que carros elétricos possam tomar o lugar dos veículos movidos a gasolina e para alguns tipos de energias renováveis. Sem elas, o mundo vai ter mais dificuldade para acabar com seu vício por combustíveis fósseis e, assim, limitar o impacto das mudanças climáticas.

Baterias, contudo, são complicadas de produzir e contêm uma combinação delicada de componentes químicos que precisam seguir uma lista rigorosa de exigências de desempenho. Os clientes querem baterias de carregamento rápido, vida duradoura e alta segurança, seja nos frios invernos ou nos calores desérticos.

 Sem grandes mudanças na tecnologia das baterias, a demanda por cobalto encaminha-se a mais do que dobrar nos próximos dez anos - e a participação do Congo na produção, a subir para mais de 70% do total. O professor Gleb Yushin, da School of Materials and Engineering, do Georgia Institute of Technology, explica o cenário sem meias-palavras: a não ser que haja alguma grande inovação nas baterias, diz ele, o potencial de crescimento dos carros elétricos nunca vai se materializar.

"Não haverá indústria de VEs [veículos elétricos] sem o cobalto da RDC [República Democrática do Congo]", diz Caspar Rawles, que acompanha o mercado para a consultoria londrina Benchmark Mineral Intelligence. "Sem a RDC, a expansão dos VEs não vai ocorrer."

Zimmerman começou a pensar nas baterias há cinco ou seis anos, logo quando os veículos elétricos começavam a ganhar força e os primeiros Teslas se tornavam populares. Na época, o cobalto era um metal de nicho usado principalmente na produção de turbinas de avião e de telefones celulares.

Desde então, as vendas de veículos elétricos e versões híbridas que podem ser carregadas em tomadas elétricas passaram de 6 mil unidades em 2010 para 1 milhão de carros em 2017, cerca de 1% das vendas anuais totais. Projeta-se que mais 340 milhões de veículos elétricos (carros de passageiro, picapes, caminhões e ônibus) vão ser produzidos entre 2018 e 2030, segundo analistas da McKinsey.

Isso levou a um grande aumento na construção de fábricas de baterias. O número de "gigafábricas" em construção, chamadas assim por serem capazes de oferecer gigawatts-hora (GWh) de energia a cada ano com suas baterias, decuplicou nos últimos oito anos para 41, segundo a Benchmark Mineral Intelligence. Simon Moores, fundador da empresa, diz que a bateria está destinada a tornar-se o "barril de petróleo do século XXI".

A bateria de íon de lítio, descoberta pelo professor americano John Goodenough, de 96 anos, quando estava na universidade de Oxford em 1980, mostrou ser crucial para a ciência e tecnologia do século XX, abrindo caminho para os aparelhos eletrônicos portáteis, desde os telefones celulares às câmeras de vídeo. Também se tornou a escolha preferencial para os carros elétricos, que usam centenas de células de bateria agrupadas em pacotes que lembram maletas de negócios de metal e chegam a pesar 600 quilos.

Desde que a Sony comercializou a tecnologia de íon-lítio em 1991, no entanto, houve poucos avanços substanciais na tecnologia, segundo Zimmerman. Ele acredita que a bateria que atualmente alimenta nosso mundo possa ter atingido seu limite.

"Todos querem que seu telefone celular dure mais e que a bateria de seus carros não exploda", diz. "Acredito que as baterias de íon de lítio chegaram a uma rua sem saída agora; não há realmente novos avanços que possam ser obtidos com a tecnologia atual."

As células de bateria dependem de quatro partes principais: um eletrodo positivo e um negativo, um separador e um eletrólito liquido. O eletrodo positivo, ou cátodo, é revestido por uma mistura de óxido de metais cuidadosamente processada, que na maioria dos carros inclui lítio, cobalto, níquel e manganês. Quando a bateria é descarregada, íons de lítio fluem para o cátodo, gerando um fluxo de elétrons e eletricidade. Quando a bateria é recarregada, eles fluem de volta para o ânodo, o eletrodo negativo, que normalmente é feito de grafite.

A bateria vai reinar suprema neste século e está destinada a tornar-se o "barril de petróleo do século XXI"

O cobalto é essencial para impedir que a bateria se sobreaqueça. Além disso, a estabilidade que traz aos matérias da bateria também permite aos usuários carregar e descarregar seu carro por muitos anos. Mas também é o mais caro dos metais usados, o que afeta a capacidade das montadoras de reduzir o custo dos carros elétricos para concorrer com os movidos a gasolina.

Analistas do banco de investimento e corretora Liberum, de Londres, estimam que o custo do quilo do cobalto na forma usada nos cátodos de bateria gira em torno a US$ 12, em comparação aos US$ 8 do lítio e US$ 5 do níquel. Os metais representam cerca de 25% do custo da bateria, estimam. Embora novas fontes de cobalto estejam sendo desenvolvidas na Austrália e nos Estados americanos do Idaho e do Alasca, elas só devem a começar a produzir o metal depois de 2020.

Zimmerman, um cientista de materiais, começou estudando uma área de pesquisa relativamente inexplorada: o eletrólito, que é a substância que geralmente pega fogo nas baterias. Se um material sólido, em vez de líquido, fosse usado, diz a teoria, as baterias poderiam ser mais leves e seguras. Também permitiram às montadoras reduzir a quantidade de cobalto nos cátodos ou até dispensar seu uso, diz o professor.

O primeiro sólido eletricamente condutivo foi descoberto na década de 1830 pelo cientista britânico Michael Faraday, mas nunca funcionou em baterias a temperatura ambiente. Trabalhando em seu porão, Zimmerman criou um material polímero que pode fazer exatamente isso.

"Era um pedaço de plástico realmente feio, em um rolo com furos minúsculos por todos os lados, mas não havia como você não reagir com um 'uau!'", lembra-se Joy, que havia se empenhado em conseguir uma bateria em estado sólido quando trabalhou na firma de capital de risco Kleiner Perkins. "É simplesmente espetacular que isso tenha demonstrado viabilidade para uma propriedade que vinha sendo buscada há tanto tempo."

Várias montadoras, como a Toyota e a Mercedes-Benz, e empresas como o grupo de engenharia britânico Dyson, vêm trabalhando nas chamadas baterias em estado sólido, assim como Zimmerman. Houve investimentos de US$ 400 milhões na tecnologia no primeiro semestre do ano, segundo a firma de consultoria Wood Mackenzie. Seus analistas preveem que tais baterias vão ser predominantes na tecnologia dos veículos elétricos em 2030, mas não devem entrar no mercado até 2025.

"Ainda há vários problemas complicados para uma bateria toda em estado sólido ser uma proposta viável comercialmente", diz Peter Bruce, professor do departamento de materiais da universidade de Oxford. "Mas agora eles estão sendo resolvidos."

A Ionic Materials é uma das várias "start-ups" que esperam comercializar a grande próxima inovação das baterias. É um campo que já viu uma boa dose de fracassos, como a quebra da fabricante de baterias de água salgada Aquion Energy, que foi financiada por Bill Gates e pela Kleiner Perkins, em março de 2017.

A maioria das montadoras caminha para produzir baterias que usam mais níquel e até 75% menos cobalto

Enquanto isso, as fabricantes de baterias correm para reduzir a quantidade de cobalto que usam na tecnologia convencional. Em julho, Yoshio Ito, chefe de negócios automotivos da Panosonic, fornecedora da Tesla, disse a repórteres em Tóquio que a empresa pretende diminuir o uso de cobalto nos carros elétricos da Tesla em dois a três anos. A Tesla disse que "almeja atingir um uso de cobalto próximo a zero no futuro próximo".

A maioria das montadoras se encaminha a produzir baterias que usam mais níquel e até 75% a menos de cobalto. Esses produtos deverão ganhar mais participação de mercado nos próximos anos.

O professor Venkat Viswanathan, da Carnegie Mellon University, diz que o uso de cobalto pode ser reduzido usando eletrólitos líquidos com determinados elementos químicos. "A Ionic Materials é um caminho para fazer cátodos com pouco cobalto, mas as fabricantes de baterias também vêm trabalhando e mostrando soluções viáveis seguindo o caminho dos eletrólitos líquidos", diz.

Mesmo se o mundo passar a usar baterias com menos cobalto, projeta-se que a demanda pelo metal vai ter mais do que dobrado em 2025, segundo a Wood Mackenzie. "Embora possível, zero cobalto é difícil [e] a esta altura zero é complicado", diz Viswanathan.

Zimmerman, por sua vez, diz que as baterias de eletrólitos líquidos com pouco cobalto ainda têm um risco considerável de pegar fogo, o que vai exigir caras tecnologias de monitoramento.

Em seu pequeno estúdio, ele exibe vídeos no laptop de pregos entrando em contato com os mais novos eletrólitos líquidos de pouco cobalto, que ele chama de "teste de penetração do prego". Há fumaça, fogo e "coisas ruins por acontecer", diz, enquanto vê as células pegarem fogo em uma câmara de metal. Esse fogo produz gases tóxicos que exigem equipes de combate ao fogo com roupas especiais. "É fundamentalmente inseguro."

"O cobalto é caro e é escavado de fontes sem práticas éticas no Congo, então as pessoas querem usar menos o metal", acrescenta Zimmerman. "Quando você coloca menos cobalto, a voltagem dos cátodos sobe e os atuais eletrólitos líquidos não podem funcionar a voltagens maiores. Mas nosso polímero pode."

A Ionic Materials informa ter testado seu polímero com cátodos que tinham pouco ou nenhum cobalto e está trabalhando com empresas para comercializar a tecnologia. Se for bem-sucedida, a firma acredita que a tecnologia poderia chegar às baterias em poucos anos e, depois disso, aos veículos elétricos.

Joy, que é um dos cofundadores da Sun Microsystems e escreveu parte do código inicial da internet, diz que tecnologias como a da nova bateria são cruciais para enfrentar as mudanças climáticas. A combinação atual de materiais foi "esticada até o limite", diz.

"O que aconteceu com a Sony inventando o íon-lítio [...] bem, acabamos tendo coisas que podem ser recarregadas", diz. "Mas eles desistiram [...] não só pela segurança e custo, mas também pela abundância, porque fisicamente não há cobalto suficiente para eletrificar o mundo."

Fonte: Valor Econômico - 24/08/2018

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